21 maio 2016

tira a mão das calças quando falo contigo

O título de um texto de Margaret Stokowski no Spiegel online é, das que vi até agora, a melhor resposta a dar a pessoas que em vez de usar o cérebro se afundam na armadilha do sexismo: tira a mão das calças, pá. O texto não é dos melhores que lhe tenho lido, mas é uma reacção sincera ao fenómeno do ódio na internet, e por isso traduzo.

(melhor dizendo: quem traduz é o Speedy Gonzalez, como de costume)


Ódio na net: carta ao hater anónimo  


Tira a mão das calças quando falo contigo

Ela escreve um texto, ele deseja-lhe a morte: a colunista Margarete Stokowski responde a um comentador irado. A título de excepção.

Já não me respondes mais no chat do facebook. Tinha-te perguntado por que motivo concreto é que me desejas a morte, Ruven. É esse o teu nome, ou talvez não. Lindo nome.
No site Baby-Vornamen.de diz que o teu  nome significa "vejam: um filho". Como se os teus pais anunciassem a tua existência em júbilo contínuo, e talvez seja assim. Mas o que faz este filho? Vai para o facebook escrever a mulheres que não conhece, dizendo-lhes que devem morrer: "Olá, minha porca. Espero que te afogues numa das tuas sanitas para transexuais." Foi a tua, digamos, carta do leitor, a propósito da minha penúltima crónica. E como não era suficiente, ainda acrescentaste um "fuck you". Provavelmente para ter a certeza que eu percebia o tom.

Perguntei o que te impelia a escrever esta missiva. "Exmo. Senhor [nome de família], porque é que tem esse desejo? Cumprimentos, Margarete Stokowski" - e ao menos deste uma resposta curta. "Porque já estou farto da tua tagarelice. E agora, tão delicada, queres ser minha amiga no facebook? Só se me enviares fotografias nua!"

Pois, Ruven. Tenho fotografias tão boas. Mas esse não era o assunto que estávamos a tratar, pois não? Tira a mão das calças quando falo contigo. Perguntei uma segunda vez o que é que te incomoda tanto que te leva a desejar-me a morte. Que imagem tens tu das mulheres, Ruven?

Não consegues melhor que isso, quando não concordas com a opinião de uma mulher? Dizer-lhe que pode escolher entre morrer ou servir-te de inspiração para uma punheta? É pouco, Ruven! Onde está o filho pelo qual os pais se alegraram tanto? Escreves o mesmo a homens que não têm a tua opinião? Pediste ao Jakob Augstein fotos dele nu?

O ódio não é boa ideia

Para a tua visão do mundo, seria conveniente que eu te odiasse. Mas não te posso ser útil. Mesmo juntando todas as emoções negativas que tenho neste momento, não consigo sentir ódio. Vi fotos tuas no facebook, e li que de momento tens problemas de saúde. As melhoras, Ruven. Sem qualquer ironia, desejo que te sintas de bem com a vida. E não é por ter comido um hippie ao pequeno-almoço. É porque nas fotografias tu pareces infeliz.

Parece-me que andar pela internet a odiar não é boa solução para nada. Sobretudo quando é feito à custa dos outros. Hoje dão-te atenção, mas amanhã já se esqueceram de ti. Pura e simplesmente, não é boa ideia. Li que tiveste um ataque cardíaco, Ruven. Imagina que tens outro, e a última coisa que fizeste antes disso foi enviar uma mensagem curta e má, que provavelmente nem sequer será lida.

É certo que não mereces que eu me ocupe tanto de ti. Pura sorte, Ruven. Confesso até que nem és um caso especial. Há quem me escreva com mais frequência e brutalidade que tu. Dizem que devia ser violada por um grupo de árabes e só depois morrer. Ou falam em vingança sanguinária e aniquilação total. Tu dizes-me apenas que eu devia morrer nuns sanitários públicos. É mais provável que eu seja atropelada pelo Jan Böhmermann num Segway do que morra afogada numa sanita de transexuais, mas as pessoas são livres de pensar o que lhes apetecer.

Já o Einstein tinha aconselhado a Marie Curie a não ler comentários online, digamos assim. Obviamente, não se tratava da internet. Mas a mensagem era clara: "se o mob continua a falar de si, não leia esses disparates." És o mob, Ruven? Escrevo-te porque me pergunto porque é que as pessoas enviam essas mensagens de ódio. E com certeza que também escrevo porque gosto do teu nome - embora talvez nem seja o teu nome, se calhar chamas-te Manuel Neuer.

E também porque já fiz férias na cidade onde moras. Uma cidade impressionante, marcada pela coexistência muito próxima de pessoas com religiões diferentes. Sabe Deus que nem sempre de forma pacífica. Mas na maior parte do tempo conseguem. Isso incomoda-te, Ruven? Incomoda-te a existência lado a lado de pessoas que têm visões diferentes do mundo? Às vezes acusam-me disso: que não me dou bem com a existência de pessoas que têm outras opiniões. A verdade é que me dou muito bem, e praticamente até é disso que vivo.

Porque me desejas a morte?

Talvez queiras dizer agora: quem vai à guerra, dá e leva. É verdade. Um ponto para ti, Ruven. Mas penso que a expressão significa que quem dá uma opinião recebe uma opinião, e quem dá uma bofetada recebe uma bofetada, Não esses votos de morte em troca de uma opinião.

Porquê, Ruven? Porque me desejas a morte? Ou tratava-se de uma metáfora? Para quê? (...) Conheces este estudo do Guardian, que analisou 70 milhões de comentários online? Embora no Guardian, como aliás em toda a parte, a maior parte dos textos de opinião sejam escritos por homens, os dez autores que recebem mais comentários ofensivos são oito mulheres e dois homens de pele escura. Os temas com mais comentários bloqueados foram Israel/Palestina, feminismo e violação. Os temas com mais comentários decentes foram palavras cruzadas, críquete, corridas de cavalos e jazz.

Bem sei que receberia muitas mais mensagens de pessoas como tu, Ruven, se usasse um lenço na cabeça. "Não me apetece continuar a ser a mulher de limpeza da nação", disse Kübra Gümüsay na re:publica [ o vídeo indicado no link é em alemão - recomendo-o imenso a quem o fala; para os outros, já sei, já sei, vou ver o que se arranja ali com o Speedy Gonzalez ] , ter de limpar a porcaria das ideias dos outros, repetidamente e sem parar. É possível esgotar as pessoas enviando-lhes mensagens de ódio. Mas o paradoxo é este, e agora repara bem, Ruven: quando, em vez de argumentar, simplesmente se enviam insultos, não se muda absolutamente nada. É a maneira mais idiota de reagir. Hoje é o único dia da tua vida em que te dei algum do meu tempo, e tu desperdiçaste-o por completo. Repara: eu continuo a ser feminista e a favor de sanitários públicos para transexuais. Que pena. Perdeste a tua oportunidade, Ruven, e tão pequena que era.


Sem comentários: