28 fevereiro 2016

a boa filha à casa torna

Filha pródiga, depois de algumas incursões pela concorrência, voltei à casa mãe. Em boa hora. O programa de ontem anunciava Daniel Stabrawa a tocar o concerto de Szymanowski para violino, mas eu ia lá por causa do Simon Rattle, e não me arrependi (alguma vez me arrependeria?).

A primeira peça, Le Festin de l'Araignée, um ballet de Albert Roussel composto em 1913 (aqui numa gravação de 1946, com direcção de Toscanini), desperta todos os sentidos. Mesmo sem cenários nem bailarinos, facilmente imaginamos o jardim e o sol, a aragem suave, os aromas de verde, a aranha na sua teia, o cortejo das formigas, a borboleta presa - quanta tragédia cabe numa tranquila tarde de verão!
(e quanta alegria cabe nos bancos do coro da Filarmonia)



O segundo concerto para violino de Karol Szymanowski foi muito bem tocado, etc. etc., mas não o compreendi.

Depois do intervalo fomos sentar-nos nos lugares vazios do bloco A. Infelizmente (ou felizmente, como se verá) conversei tanto durante o intervalo que me esqueci dos lugares vazios que tinha decorado durante o Szymanowski. Acabámos a passar outra vez vergonhas, com as pessoas a chegar e a dizer "este lugar é meu...", de modo que voltámos para os bancos do coro mesmo por trás da orquestra, e foi a melhor decisão que podíamos ter tomado. O Simon Rattle a dirigir Les Boréades, de Rameau, foi um espectáculo. Ainda - e muito - mais do que habitualmente. A ópera de 1763 foi tocada pela primeira vez em 1975, sob a batuta de John Elliot Gardiner. O jovem Rattle ficou inteiramente seduzido pela obra, criou uma suite para orquestra a partir de uma selecção pessoal, e trouxe-a para Berlim. Ontem tocou-a de cor, e sem batuta. Delicioso.
No movimento que começa a 2:48, no vídeo, cruzou as mãos sobre o ventre, e dirigiu com as sobrancelhas. Delicioso. E depois do penúltimo movimento (que não reconheço neste vídeo - ou foi interpretado de modo completamente diferente, ou não consta desta selecção) parou, pegou num microfone, e avisou o público de que não havia nada de errado - simplesmente, este movimento evocava de tal modo o estilo de Stravinski, que ele ia repeti-lo, para termos a certeza de que não se tinham enganado. Delicioso.
Este concerto deve estar disponível no Digital Concert Hall dentro de uma semana. Recomendo que o espreitem - e espero que a régie não tenha tirado nunca a câmara do Simon Rattle, como eu não tirei os olhos, ontem, no Rameau.
(Abençoados bancos do coro da Filarmonia, que ainda me vão dar muitas alegrias até 2018.)



No fim do concerto encontrámos um casal amigo, que ainda não conhecia o truque dos bancos do coro. Aqui fica, mais uma vez: quando o programa não inclui coro, costumam pôr à venda bilhetes a preços acessíveis para esses lugares. Começam a vendê-los na terça-feira, às duas da tarde, para os concertos que são, geralmente, na quinta, na sexta e no sábado.


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