09 junho 2015

modernices


Fui à Filarmonia tentar a minha sorte para a próxima sexta-feira: hoje puseram à venda os bilhetes nos bancos de frente para o Dudamel, e para o late night concert que é a seguir, com o Simon Rattle e a Barbara Hannigan.

Terça, dia de Lunchkonzert, desta vez com alguns dos melhores alunos do Julius-Stern-Institut (uma escola para os jovens músicos que revelam um excepcional talento). Os jovens músicos que lá estavam têm de facto um excepcional talento. Gostei especialmente do 3º andamento da sonata de Rachmaninov em sol menor - até parei de ler a exposição sobre o Leo Borchard, que está por estes dias no foyer.



O Leo Borchard nasceu na Rússia, filho de alemães, e veio para a Alemanha ainda muito novo. Um maestro com uma promissora carreira à sua frente, e com capacidade para agitar o mundo da música clássica, mas com o destino contra ele. Primeiro, os nazis atravessaram-se no seu caminho, e ele disse-lhes "arreda" com ar de desprezo, o que não facilitou muito o seu percurso profissional. Como muita da sua música favorita estava proibida na Alemanha, ia aos países vizinhos dar concertos e fazer gravações. Essas viagens eram muito importantes também para a sua actividade no "Onkel Emil", um grupo de resistentes em Berlim, que ajudaram a salvar muitas vidas (entre os quais Konrad Latte, um músico que conseguiu sobreviver porque arrancou a estrela do casaco e misturou-se com as outras pessoas; mais tarde viria a ser o fundador da Berliner Barock-Orchester - e vizinho de uma amiga minha, que me contava todas estas histórias como se as tivesse vivido ela própria). No fim da guerra, Leo Borchard fez uma coisa inacreditável: numa Berlim em grande parte destruída, no meio da confusão e do trauma daqueles dias, saltou para a sua bicicleta desconjuntada e foi a pedalar pelo meio dos escombros juntar os músicos da Filarmónica de Berlim, arranjar instrumentos e conseguir autorizações para darem um concerto ainda em Maio, apenas duas semanas depois do armistício. No programa: "Sonho de uma Noite de Verão" (de Mendelssohn, cuja música estivera proibida na Alemanha durante 12 anos por ele ser judeu) e a quarta sinfonia de Tchaikovsky.

(Passo mentalmente as imagens que conhecemos de Berlim no fim da guerra, do estado caótico, inseguro e desmoralizado da cidade, e pergunto-me que fogo ardia dentro deste homem para lutar com esta tenacidade contra um tempo tão adverso.)

Em breve era nomeado director artístico da Filarmonia, e tinha planos ambiciosos para alargar o programa da orquestra, juntando ao repertório habitual peças modernas. Curiosamente, 70 anos mais tarde, a orquestra encontra-se de novo nesta encruzilhada: apostar mais no tradicional ou no moderno?
No momento em que a sua vida profissional aparecia o mais promissora possível, o destino reservou-lhe um golpe sádico. Depois de jantar com um oficial inglês melómano, este levava-o a casa no seu próprio carro, e ia tão distraído a falar sobre Bach que não reparou no sinal para parar que um grupo de soldados americanos lhe fizera, sem reparar que se tratava do carro de um dos seus. Por causa de incidentes com os russos, os soldados tinham obrigação de atirar sobre todos os carros que não obedecessem às suas ordens - e atiraram, matando com seis tiros o maestro que ia sentado ao lado do condutor.

Depois de ver a exposição fui comprar os bilhetes. Agora o Late Night Concert - que é um concerto mais informal, só com peças modernas - já não está incluído no concerto anterior. É preciso comprar um bilhete, que custa 12 euros. E já quase não havia lugares vagos.

Entendi bem? A sala de 2400 lugares enche para ouvir peças modernas, e àquelas desoras da noite?!
O Leo Borchard tinha razão, já há 70 anos. E pergunto-me qual é a dúvida dos Filarmónicos para não saberem escolher entre um maestro mais tradicional e um que ousa caminhos novos.

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