30 janeiro 2015

violins of hope - histórias de um filme



Queria muito fazer um filme sobre o concerto e a exposição dos "violins of hope" em Berlim. Queria mostrar o trabalho da memória que se faz tão bem na Alemanha, queria que os organizadores revelassem como conseguem lembrar o horror com verdade e dignidade, sem cair na armadilha do patético e na prisão dos sentimentos de culpa.
Queria contar a tensão extraordinária entre a emoção do proprietário dos violinos, cujos pais perderam no Leste da Europa todos os familiares, e a racionalidade do organizador da exposição, um alemão que se dedica a recuperar a música proibida pelos nazis.
Queria mostrar a peça "violins of hope", lindíssima, composta de propósito para este concerto.

Mas, por causa da maldita crise em Portugal, entre outras dificuldades, o filme acabou por não se tornar realidade. No entanto, há coisas que ganhei, e ficam comigo:

Uma conversa com o Guy Braunstein, violinista extraordinário, que me contou a história deste projecto, e repetia "Esperança" com os olhos brilhantes, e se emocionou ao falar dos Filarmónicos de Berlim, onde já foi concertino (dos melhores que esta orquestra já teve). Os olhos dele ao contar sobre o momento em que um violino o escolheu, esse arrebatamento de perceber "é este!". Falava do seu próprio violino, um Stradivarius que veio ao seu encontro em Paris; mas falou também do violino de Auschwitz, que, de toda a colecção do Amnon Weinstein, era o que vibrava de modo mais especial na sua mão. Comentou ainda, num apontamento à margem, algo em que tenho pensado bastante: hoje em dia estamos todos fixados na beleza; não basta ser bom músico, é preciso ser bonito.

Uma conversa com a assistente do director da Filarmonia, que estava instruída para me dizer que não, não me deixavam filmar na Filarmonia. Mas ouviu-me, e no fim, em vez de dizer que não tinha a menor hipótese, pediu-me que enviasse o projecto para apreciação. Sem me dar garantias, deu-me alguma esperança.

Uma conversa com uma equipa de realização, já bem perto do acontecimento. Eu dizia que ia desistir, e eles davam-me ânimo, e números de telemóvel de gente com cargos importantes nas televisões.

Uma conversa com um empresário de cinema, que me ouviu e disse "empresto-te o dinheiro necessário para não perderes a oportunidade de entrar nessa aventura."

Uma conversa com a Katrin Sandmann, que já estava a fazer um filme sobre estes violinos e este concerto. Na corrida, ia claramente à minha frente. Aliás, era por sua causa que a Filarmonia não nos queria deixar filmar - era impensável ter duas equipas de filmagem no concerto. E que faz ela? Telefona-me, e diz-me que posso eventualmente usar parte do seu material.
(Esta mulher é um portento, e ligeiramente louca: filmou a primeira parte do concerto, e em meia hora meteu essas imagens no filme que passou na televisão mal o concerto chegou ao fim.)

Em suma: não fiz o filme, mas a minha confiança na bondade das pessoas saiu ainda mais reforçada.


O filme da Katrin Sandmann pode ser visto na Mediathek do RBB nos próximos dias.
É um documentário doce e poético, com alguns momentos muito especiais. A partir do minuto 15 entrevista a Anita Lasker-Wallfisch, que tocava violoncelo na orquestra de raparigas de Auschwitz (e conta, a partir de 18'18 que alguém da orquestra sabia de cor as notas da Patética, e reescreveu de memória essa peça, com arranjos para uma orquestra de cordas. "Foi incrível: música de câmara em Auschwitz!"); a partir de 24' começa a música - do ensaio geral e da primeira parte do concerto; a 25', Guy Braunstein confessa que está nervoso, como nunca esteve em tantos anos de carreira - e os outros músicos também. O filme termina com o violinista sozinho, prestes a entrar em palco, enquanto a sua voz repete como um mantra "não é para chorar, este concerto não é para chorar".


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