18 fevereiro 2013

Berlinale 2013 - Unter Menschen



Unter Menschen é um documentário sobre um projecto de recuperação de chimpanzés criados em condições atrozes, e ainda mais sobre os seres humanos: sobre as condições em que estes bichos viveram durante quinze anos, para serem usados como cobaias para uma vacina da sida; sobre a rede de corrupção que se estende entre os países exportadores de animais, os responsáveis nos governos e as empresas de investigação (e ninguém atire a primeira pedra, porque eu quero ver que político seria capaz de criar dificuldades a tal investigação, em nome das espécies protegidas e do respeito pelos animais); sobre o sentido de responsabilidade de algumas ajudantes do laboratório que detestavam trabalhar naquele lugar horroroso, mas ficaram - "se eu me for embora, eles ficam sem ninguém que ao menos lhes dê atenção, que fale com eles. Ficam completamente abandonados."

A investigação não deu resultados positivos, as experiências foram postas de lado. Em vez de matarem os bichos tornados "inúteis", construíram-lhes uma casa que fosse de algum modo uma reparação pelo que lhes tinha sido feito. As ajudantes de laboratório ficaram com eles, e foram preparando o difícil caminho para a sua ressocialização.

Estas mulheres são admiráveis: cuidam dos quarenta animais e do espaço em que vivem, emocionam-se de alegria ao imaginar que um dia eles poderão sair para o ar livre, filosofam sobre o significado e os limites dessa "reparação" (o que me lembrou a discussão sobre o cão Zico - a questão central não é o animal em si, mas o poder, a culpa e a responsabilidade dos humanos).

Na conversa com o público, Claus Strigel, um dos realizadores, contou que as tratadoras estavam convidadas para virem à Berlinale apresentar o filme, mas o novo empregador não deixou. Supõe-se que não gostou do modo como foi retratado no documentário (eu, no lugar dele, também não teria gostado: estava a contar com um bom golpe de marketing, e aparece apenas como alguém que se preocupa menos com os animais que com o negócio que eles podem proporcionar). De modo que as mulheres não puderam vir a Berlim, e nós a pensar que vivemos numa sociedade livre...
Alguém do público pediu ao realizador que lhes transmitisse a nossa gratidão e admiração, e a sala inteira aplaudiu.

A conversa continuou. Falaram dos poderosos interesses e do modo como qualquer resistência era torpedeada, da dificuldade em encontrar pessoas que quisessem testemunhar para o documentário, mesmo tantos anos depois do encerramento da empresa. Perguntaram: com que direito tratamos os animais deste modo? onde traçamos a fronteira?
Claus Strigel disse que depois daqueles meses de contacto com os chimpanzés a sua fronteira ficou muito mais apertada. Mas acrescentou uma questão inquietante: e se as experiências tivessem tido sucesso? Se o sofrimento destes animais tivesse permitido chegar à vacina tão desejada?


Saí de lá a pensar no preço da vida dos humanos. Valemos assim tanto que se justifica o vale tudo?

2 comentários:

Paulo disse...

"Se o sofrimento destes animais tivesse permitido chegar à vacina tão desejada?" - uma grande questão.

Helena Araújo disse...

Pois é, Paulo.
Em tendo sido um sofrimento inútil, é muito mais fácil ser contra ele.

Também é verdade que teria sido possível dar-lhes outras condições de vida, apesar das experiências. Aquilo foi crueldade do pior.