15 janeiro 2013

é terça-feira, e a Feira da Ladra... (1)

Post roubado por inteiro à Ana Cristina Leonardo:



13/01/13

Da utilidade dos consoantes mudas quando queremos saber do que falamos ou do falam as palavras


 

14 comentários:

Vítor Lindegaard disse...

Não há dúvida, hoje é dia de eu comentar no teu blogue, Helena:
O vídeo ensina a história de doubt (deixa de lado a parte fonética, que pena…), mas não me parece que apresente nenhum argumento esmagador para a manutenção do b. O critério etimológico é um dos critérios possíveis para a definição de uma norma ortográfica e é esse que tem presidido às ortografias do inglês, do francês e do dinamarquês, por exemplo. Outro critério possível é o critério fonético e outro critério possível é o critério fonológico, que é aquele em que assenta a ortografia portuguesa depois de 1911. Não vejo em que sejam piores.
O que não se pode é ter sol na eira e chuva no nabal, ou ficar com a manteiga e o dinheiro que ela custa, como dizem os franceses, ou soprar e ter farinha na boca, como dizem os dinamarqueses. Dada a sua origem, imagino que este vídeo se pretenda um argumento contra a supressão das chamadas “consoantes mudas” no AO90. Ora o que eu vejo no caso desta (quase sempre demasiado emotiva e quase sempre pouco refletida) discussão é que se defende um critério ortográfico quando dá jeito, um critério fonético quando dá jeito, e quase nunca um critério fonológico, que é aquele que deferia defender quem defende a ortografia anterior ao AO90, visto que é esse que lhe preside.
Sejamos claros: a etimologia interessa pouco à maior parte das pessoas e, se interessasse muito, tínhamos, em português, de tornar clara relações que nem sempre o são para muita gente (dúvida e indubitável, para não sair deste exemplo) e repensar, sei lá, a grafia de erva, por exemplo, que deveria ser herva, para se saber que é da mesma família de herbário. Mas as pessoas sabem que erva e herbário são da mesma família sem o agá de erva! Pois sabem. Também saberiam que indubitable é da família de doubt se não tivesse o b. Os franceses, por exemplo, sabem que doute (sem b!) é da família de indubitable. Preservar consoantes mudas para dar conta dum parentesco? Seja, se se quiser, mas quem o defender tem de defender que, em português, se escreva dicto e diccionário em vez de dito e dicionário, contracto em vez de contrato, e umas centenas de etecéteras. Mas é uma escolha possível, e com mais ou menos legitimidade, digo eu, conforme o seu grau de coerência.
Para um introdução simples à problemática dos critérios ortográficos: http://llindegaard.blogspot.dk/2008/03/contradies-ou-sem-elas.html

Helena Araújo disse...

Já cá volto, Vítor. Agora tenho de sair a toda a brida.

Helena Araújo disse...

Já fui ler o teu post.
Que chatice. Tinha eu um filmezinho tão simples e tão contundente, e vens tu e trocas-me as voltas!
;-)

Baltazar Garção disse...

É sempre uma questão de equilíbrio entre os critérios. Daí que em tempos se tenha optado por erva, mas mantido a higiene, por exemplo.


Assim como depois se preservou o aspecto e o tractor, mas não o "contracto", ou o "producto".

Agora, o A. O. pretende ir bastante mais longe e, em alguns casos, desequilibra totalmente os critérios, como nos tristes exemplos de "ata" e "egito", entre muitas outras opções altamente discutíveis e que eu, por opção própria, nunca adoptarei (ao contrário de outras que me parecem mais aceitáveis, como o elétrico e o atual, por exemplo).


Gostos...

Vítor Lindegaard disse...

Caro Baltazar Garção,

Não me parece que seja sempre “uma questão de equilíbrio entre os critérios”. Há sistemas ortográficos em que há um claro predomínio, ou até mesmo exclusividade, de um deles. No caso da ortografia do português, o espírito da reforma republicana era claramente de substituir uma ortografia assente na etimologia (ou melhor, na tradição, que não é exatamente a mesma coisa), por uma ortografia de base fonológica (isto é, tendo em conta o sistema) e não fonética (centrada nos sons efetivamente pronunciados) (para uma explicação mais detalhada, ver, por exemplo, aqui http://tinyurl.com/bgtwblr). Eu não sou um defensor do AO90, mas também nunca fui e não sou um defensor da grafia anterior ao AO90. O que é claro para mim é que o desaparecimento das letras etimológicas que não refletem entidades da língua é um passo em frente no sentido de dar coerência à lógica fonológica que subjaz à grafia portuguesa depois de 1911. Para mim, é impossível compreender, por exemplo, que se defenda a manutenção de um c etimológico em ata, nome, e não se defenda a manutenção do p etimológico em ata, forma verbal, quando estamos perante a mesma forma linguística do ponto de vista fonológico (/ATA/) e até do ponto de vista fonético ([atɐ]).
Compreendo que as pessoas sintam a falta do p como marca de uma relação entre Egito e egípcio. Mas é preciso entender que não é uma incoerência da grafia, é uma incoerência efetivamente linguística, do mesmo tipo da que há, por exemplo entre o /v/ de possível e o /b/ de possibilidade. A forma linguística /EƷITO/ perdeu um /P/ que teve, mas a forma linguística /EƷIPSIO/, relacionada com ela, manteve-o (estas transcrições fonológicas são, no mínimo, muito discutíveis, eu sei, mas prefiro aqui simplificar). Isto não tem nada a ver com grafia, a “incoerência” mantém-se na língua, independentemente de como se escreva.

Melhores cumprimentos,

P.S.: Com propriedade, não se pode falar de uma “opção” por erva. Não é assim, com “opções”, que as coisas se passam, nem na evolução das formas gráficas nem na evolução das formas linguísticas. Ter desaparecido o h de erva é um fenómeno mais próximo de um acidente que de uma opção.

Helena Araújo disse...

Vítor,
não tem hipótese. Sempre que leio comentários teus sobre o AO fico com a sensação que não sei nada do que falo quando falo do AO.
Se continuas assim, um dia destes ainda me conveço a começar a escrever segundo as novas regras!
(o que, na realidade, já faço desde 1992, numa vida secreta que cá tenho...)

Baltazar Garção disse...

Caro Vítor Santos Lindegaard,

em primeiro lugar, obrigado pelos seus contributos para esta interessante discussão.


O tempo é demasiado curto, mas ainda assim gostaria de acrescentar que a escolha de uma grafia legal é sempre uma opção, pois não há qualquer lógica material no uso escrito da Língua entre escrever haver e Heitor e não escrever "herva", ou "reigno".

Assim como, agora neste A. O., não passa de uma mera opção excluír o "p" de Egipto, quando não se exclui o "e" de escrita, ou de espírito, já que nem se lêem, nem têm qualquer justificação etimológica! Entre tantos outros exemplos possíveis.


Opções, sem qualquer dúvida, e discutíveis...

Vítor Lindegaard disse...

Caro Baltazar Garção, se erva perdeu o agá por decreto, tem toda a razão. Se não, não houve opção. A maior parte das grafias não foram definidas por decreto, mas por hábito. Normalmente, os decretos (e só houve três, não foi?) definem alterações gerais.
Quanto ao resto, repito apenas o que disse antes: a lógica da ortografia portuguesa é fonológica, não fonética. É muito discutível que o e de espírito ou de escrita, por muito que sejam mudos na variante europeia, não sejam elementos do sistema, ou seja, que não tenham pertinência fonológica. Considera [uz'ʃpirituʃ] uma forma estranha? Se não, tem de haver um elemento mudo que dê a forma /Z/ ao morfema de plural. Lá está o e da escrita. Agora, a que fonema corresponde o p de Egipto? A nenhum. É essa a diferença.

Melhores cumprimentos.

Vítor Lindegaard disse...

Há outro argumento irrefutável a favor da pertinência fonológica do e de espírito e escrita, tinha-me esquecido: o da estrutura da sílaba. O som [ʃ] do s de espírito só pode ocorrer em fim de sílaba, pelo que tem de haver forçosamente uma vogal anterior que sirva de núcleo à sílaba que ele termina!

Baltazar Garção disse...


Claro que sim, pode haver razões para contrariar o "absolutismo" do critério etimológico. Como por outro lado há razões outras para demover o "absolutismo" do critério fonético, ou fonológico. Daí que tenha falado em equilíbrio entre estes (ou outros) critérios, como uma necessidade da Ortografia.

Melhores cumprimentos.

Vítor Lindegaard disse...

Caro Baltazar Garção, peço imensa desculpa, mas ainda não compreendi qual é o seu argumento. Já repetiu que acha que deve haver uma mistura "equilibrada" de vários critérios, mas sem explicar porquê e em que casos... e o que significa ao certo o equilíbrio de que fala. Faço duas perguntas diretas: 1) Porque se devem preservar casos isolados de critério etimológico numa grafia fonológica? 2. Como se decide que casos preservar ou não, e quem o decide?

Baltazar Garção disse...



1) Porke mesmo numa grafia fonolójica deve aver sempre o devido respeito pela orijem etimolójica da Língua, já para não falarmus no ábito, ke jera pezadas inérsias, cuja alterassão pruvoca inúmerus prublemas.


2) Quem deve decidir sobre a Norma Ortográfica deve, idealmente, ser uma autoridade científica e académica idónea e independente, podendo em caso de grave dissensão técnica, ou científica, a última palavra caber ao Poder Legislativo nacional.

Vítor Lindegaard disse...

Caro Baltazar Garção,

Considero respondida a segunda parte da segunda pergunta, mas quero lembrar-lhe que, em Portugal, não existe essa entidade. À primeira parte da pergunta, porém, que era a mais interessante, não respondeu: Como se decide em que casos se preserva uma letra por razões puramente etimológicas e em que casos não se o faz? Porque se mantém o p de óptimo, se não se mantém o c de práctica?
Quanto à primeira pergunta, a resposta é tautológica: diz-me que se devem preservar casos isolados de lógica etimológica numa grafia de lógica fonológica, porque, mesmo numa grafia fonológica deve haver respeito pela etimologia. Ora o que lhe tinha perguntado era porquê. Acha que veio algum mal à escrita do italiano, por ter decidido eliminar todos os agás iniciais, por exemplo? A grafia do norueguês é pior que a do dinamarquês por, ao invés desta, ter eliminado as consoantes etimológicas não pronunciadas? Não me parece. No fundo, e é isso que é pena, toda esta discussão se resume a isto: Certo é aquilo a que estou habituado. Todas as grafias anteriores ou posteriores à minha são disparatadas. Eu costumo fugir a discutir esta questão por isso mesmo. Não sou só eu, aliás. E a discussão está entregue aos afetos em vez de se processar racionalmente.
Todas as alterações provocam problemas. Isso não é razão para não mudar o que se acha que se deve mudar. Agora, note, eu nem acho que tivesse de se mudar fosse lá o que fosse. Não tinha de haver reforma nenhuma e, se há boas razões para se fazer uma reforma, as que foram apresentadas para se avançar com esta são falaciosas. Nada disso é razão, porém, para defender sem nenhuma racionalidade que a ortografia anterior ao AO90 era coerente. Não era, nem passou a ser com a reforma. Agora, há coisas no AO90 que tornam mais coerente a lógica ortográfica do português. O desaparecimento das consoantes etimológicas é uma delas: nem é alterar nada, é apenas continuar o que se iniciou em 1911. Da mesma forma, acho muito bem, por exemplo, que desapareça o traço em hei-de e afins, que nomes de meses e estações se escrevam com minúscula, como todos os outros nomes comuns. Eram casos de falta de lógica da ortografia anterior e eu não gosto de falta de lógica.

Melhores cumprimentos,

Baltazar Garção disse...



Caro Vítor,


concordo bastante com este seu comentário. Reconheço que o afecto pelo que aprendemos na meninice pode muitas vezes desequilibrar-nos a racionalidade, mas não é apenas essa a minha objecção.


Estou consciente de que os meus miúdos irão ironizar sobre a minha ortografia com uma leve (?) ponta de desprezo mal comecem a escrever, tal como eu disfarçadamente fazia com o "quasi", o "páteo" e o "gaz" da minha Mãe...


Mas é um facto que as mudanças ortográficas, mesmo que lógicas e explicáveis, como o "ótimo", o "hás de" e o "elétrico", devem ser administradas com prudência e gradualmente, sobretudo quando obrigam a torcer um pouco a coerência, como nos casos do "Egito", da "ata" e de "tração", "contração", subtração", "espetáculo", etc.!


E é pena ainda não existir, como refere, uma entidade científica e académica idónea e independente, para poder caucionar com competência e seriedade as normas linguísticas (não apenas a ortográfica) portuguesas...