07 junho 2012

um relato da Palestina (2)

A propósito do meu post anterior, houve uma troca de comentários no facebook com o Sergio Storch, cuja perspectiva informada, distanciada e pacífica enriquece muito o debate, e desenha uma resposta possível à minha questão da impotência e da falta de esperança. Por esse motivo, decidi copiá-los para aqui, apesar do registo algo informal do texto, típico das conversas no facebook.

Não conhecia o Sergio Storch - foi uma amiga comum que iniciou o debate. Pedi-lhe autorização para publicar aqui os seus comentários. Na sua resposta, apresentou assim o seu trabalho:

"Minha causa é ajudar israelenses E palestinos que atuam juntos para mudar essa situação, e faço isso numa rede que está trazendo para o Brasil - e agora começando com outros países da América Latina - pessoas que fazem depoimentos mostrando a possibilidade da convivência com paz e amizade. Se for possível fazer algo assim também na Alemanha, será muito bom. Sempre começa pequeno, mas cresce."

 

Sergio Storch: O relato é muito preciso e sensível. Mas sim, é possível ter esperança se entendermos que este relato é uma foto, e não um filme. Eu vejo também o vigor das partes sadias de ambas as sociedades. E a esperança se dá ao participar nisso, e trazer para o Brasil um pouquinho da responsabilidade pela construção do futuro. Você verá nas próximas semanas...

Um comentador: Leia, Helena Araújo - a esperança não deve ser perdida...

Sergio Storch: A comparação com o nazismo tem aparecido constantemente, e esse fato (o da comparação ser constante) é por si só um tema a ser muito aprofundado. Há tantos ângulos... Por um lado, é uma comparação equivocada e injusta, e direi por que. Por outro, sempre se pode dizer que é menos injusta do que a opressão que lá ocorre, e é verdade. E por mais um outro lado, ela alimenta a propaganda de defesa incondicional de Israel, que explora um mito, o de que os judeus não têm amigos e que ninguém tem solidariedade com eles. E agora explico por que é injusta, embora saiba que é enxugar gelo (talvez a melhor forma seja um post no blog), pois um minuto depois haverá mais alguém fazendo essa comparação: Primeiro, a escala quantitativa: por que não se faz essa comparação no caso da Síria, em que mais de 10000 já foram assassinados (na Palestina a qtde de vítimas fatais, no pico, que foi em Gaza, foi de 1600). Vítimas de discriminação? a Human Rights Watch traz vários outros países com situações mais graves, que não vêm à tona do pensamento da opinião pública. Por que? por que a Palestina tem mais exposição na opinião pública. O que eu acho muito bom, embora preferisse que todas as opressões tivessem exposição proporcional. Mas se tivessem, a quantidade de informação seria tão enorme que se banalizaria e nos dessensibilizaria. Assim, essa comparação não é justa, mas judeus que defendem direitos humanos (inclusive os que estão lá, que são muitos, o que não ocorria na Alemanha nazista, pois era fatal, o que é mais uma diferença) não vão achar mais importante provar essa injustiça do que combater a opressão. Outra diferença: história. Sim, o que ocorre hoje na opressão aos palestinos pode ser comparado, com a ressalva acima, com os primeiros anos do nazismo, com mais uma ressalva: lá essa opressão tornou-se política oficial de estado, com toda uma legislação consistente nesse sentido. Embora alguma analogia com esses primeiros anos do nazismo seja compreensível, a ideia que passa para a opinião pública - uma ideia absolutamente falseada - é a comparação com os grandes crimes do nazismo contra a humanidade, que se deram após 1941, com o genocídio sistemático e industrial. Não há comparação possível com isso. Mas, como lhe disse antes, explicar essas coisas é como enxugar gelo, pois o cidadão médio não tem o conhecimento histórico e discernimento, nem o tempo, para aceitar uma explicação que o convença do contrário. E eu me coloco na posição que disse acima: importa mais lutar contra essa opressão, por incomparável que seja com outras muito maiores, do que enxugar o gelo. E eu acredito que, em havendo muitos judeus - e israelenses - engajados nessa luta contra a opressão, essas comparações injustas deixarão de existir. Mas conto com os amigos e amigas que, uma vez sensibilizados por essas ponderações, poderão também fazê-las para os seus amigos e amigas, respondendo de forma crítica a comparações semelhantes. Teria muito mais a dizer sobre isso, mas seria excessivo...

Um comentador: A diferença é que, tendo os judeus sido vítimas do nazismo, quando repetem as mesmas táticas a comparação torna-se inevitável.

Sergio Storch : hmm, não é por isso não. E esse assunto dá muito pano pra manga. Não esquecerei de te convidar quando fizermos um debate sobre isso: por que singularizar a opressão de israelenses sobre palestinos, entre tantas outras opressões? Ambos os povos têm traumas históricos recentes: o nosso perdeu 1/3 dos seus no Holocausto; o palestino teve 1/2 do seu povo convertido em refugiados. Não é exatamente assim, mas as dimensões dos traumas são mais ou menos essas. Um jeito é ver um contra o outro. Outro jeito é ver ambos os traumas como resultado do choque frontal entre duas forças colossais: o império britânico em decadência e o Terceiro Reich, que pretendia restaurar a grandeza do Sacro Império Romano que durou séculos. Judeus e palestinos foram o algodão que estava entre os cristais.

Mas a minha explicação para a singularização acima, que sei que não é o seu caso, mas que comumente acompanha um sentimento antissemita, é a seguinte: na racionalidade ocidental, mecanicista e linear, apontar um dedo para um culpado é a solução mais tranquilizadora. É uma forma de dizermos para nós mesmos: como os outros são ruins... E faz parte do imaginário ocidental, cultivado por séculos de pregação católica (a que só foi dado fim oficial nos anos 60, com o Concíilio Vaticano II de João 23) a ideia de que judeus=judas=traição=perfídia=maldade. É o mal que, ao vermos fora de nós, nos faz acreditarmos que somos bons.

Bem, é uma discussão enorme e multifacetada. E mais, ela hoje se manifesta na vida concreta, na relação israelenses-palestinos, e na relação do resto do mundo com a relação israelenses-palestinos. Enquanto discutimos, estamos ainda vivendo esse fenômeno, até que acabe de fato o século 20, que ainda está nas memórias de todos que sofreram essa "era dos extremos", como caracterizou o historiador Eric Hobsbawm.

Sergio Storch: Muuuuuito pano pra manga. E acho que o momento mais alto dessa discussão será quando conseguirmos trazer para cá duas pessoas, em fevereiro de 2013: Nurit Peled-Elhanan e Samira Alayan. Cada uma delas faz a análise crítica dos estereótipos recíprocos que se faz do outro na educação israelense e na educação árabe. Elas, amigas, mostram como na educação das crianças hoje, continua-se cultivando o desprezo e o medo ao outro. Que é um pouco o que acontece no que nossas crianças de classe média aprendem sobre o outro, que é o povão, e o que as crianças do povão aprendem sobre nós. Ou seja, a relação Israel-Palestina tem relação com a relação que temos nós aqui com os que são diferentes de nós, do outro lado da cidade. E vamos lá pra Palas Athena estudar cultura de paz, que nos ensina a enxergar desse jeito.

Sergio Storch: Hmmm, aliás... venha à Palas Athena no dia 14 às 9:00. Teremos um palestrante excepcional, Azril Bacal, ativista altermundista (Um outro mundo é possível), falando de uma das pioneiras da Cultura de Paz.


Sergio Storch: Acho que vc gostará de ler o que diz este filósofo, que é irmão de um dos mais importantes ativistas isralenses (que vem sendo interrogado pela polícia de Israel por liderar a reconstrução de casas de palestinas demolidas em Jerusalém Oriental). https://www.facebook.com/groups/420088668571/permalink/10151162307158572/
FRIENDS OF HUMAN RIGHTS LEADER DR. MEIR MARGALIT

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