01 maio 2012

mais entrevistas com o Wladimir Kaminer



Um amigo mandou-me o link para uma entrevista que Kaminer deu ao Comércio do Porto em 2003, quando a Cavalo de Ferro publicou em Portugal o Militärmusik. Pode ler-se aqui.

Se tivesse tempo, traduzia uma que ele deu à Playboy (hehehe) (a entrevista em alemão está aqui). Mas o meu tempo, não sei que lhe aconteceu, tem-se feito raro. Passo apenas alguns bocadinhos (traduzidos pelo irmão mais novo do Speedy Gonzalez, ainda mais rápido que o outro):

Playboy: Wladimir Kaminer, em breve vai sair um filme baseado no seu primeiro livro, Russendisko, onde se fala da sua vida quando veio para a Alemanha - e de verdadeiras amizades entre homens. De que vive uma amizade entre homens?

Wladimir Kaminer: Da necessidade. Numa situação de bem-estar, de felicidade, às vezes os amigos afastam-se. A verdadeira amizade nasce em situações difíceis da vida.

Playboy: Como quando veio da Rússia para Berlim?

Kaminer: Sim, era uma situação de necessidade. A vida anterior tinha desaparecido para sempre, e a nova ainda não tinha contornos claros. Não conhecíamos o nosso mundo, e o que devíamos fazer nele.

Playboy: O que era especial na Berlim do início dos anos 90?

Kaminer: As pessoas viviam uma situação única no mundo: simultaneamente no socialismo e no capitalismo; saboreavam as vantagens dos dois sistemas sem sentirem as suas desvantagens.

O táxi pára - chegámos. A mesa no restaurante japonês de luxo já está preparada. Não temos muito tempo, porque a festa vai começar em breve. Começamos por encomendar as bebidas. Kaminer pede um Bordeaux. 

Playboy: Quando veio para Berlim, vivia num quarto sem casa de banho, em algumas alturas também não teve emprego. Como é que um escritor aguenta o desemprego?

Kaminer: Do ponto de vista intelectual, o desemprego era para mim um grande alívio. O Estado subvencionava-me para eu me entregar a tempo inteiro à minha paixão.

Playboy: Passar o dia a recolher histórias e a escrevê-las.

Kaminer: Sim. O problema eram aqueles cursos que passavam a vida a oferecer-nos. Insistiam em transformar os artistas desempregados como nós em trabalhadores sérios. Uma vez veio um talhante tentar entusiasmar-nos para um curso. Quarenta actores de certa idade e um jovem talhante em ascensão, com um cartaz onde estavam desenhadas as partes do corpo de uma vaca. Contou-nos como a profissão de talhante é entusiasmante e interessante - nada diferente da de um actor.

Playboy: Olhando agora para trás, uma fase divertida.

Kaminer: Sim, como todas as fases da vida. Nunca é apenas mau. Escrevi sobre o meu tempo no exército russo. As pessoas ficaram chocadas: Como, senhor Kaminer? Perante tantos jovens soldados que foram torturados na sua passagem pelo exército, como consegue escrever que foi um tempo divertido?!

O restaurante todo está a ouvir. Kaminer nota-o: "Parece-me que estou a falar demasiado alto." É verdade. Continua a falar, em tom mais contido. 

Claro que foi uma época terrível. A nossa vida é uma tragédia, estamos permanentemente a ser confrontados com desafios maiores que nós. Mas só conseguimos avançar se identificarmos o lado divertido desta tragédia.

Playboy: Durante o período de desemprego, tinha esperança de que alguma vez se tornaria alguém?

Kaminer:
Nunca tive a sensação de que tinha de me tornar alguém na vida, nunca quis ser especial. Vejo-me como contador de histórias. No fundo, não são as minhas histórias, mas as que a vida escreve. Eu sou apenas um médium.
Playboy: Você parece um contador de histórias inofensivo. Contudo, correu grandes riscos na União Soviética por criticar o sistema.

Kaminer: Eu era um dissidente, por completo, e desde o princípio: na escola, estava perfeitamente convencido que o sistema comunista nos armava ratoeiras, e em vez de nos ensinar inglês nos ensinava outra língua qualquer, para que mais tarde ninguém do mundo capitalista nos conseguisse entender. Também no exército fui um péssimo soldado, passava a vida a pôr tudo em causa, o que os oficiais não suportavam. Por isso passei alguns dias na cadeia.

Playboy:
Depois veio para Berlim – onde ficou até hoje. Porque não quis regressar à Rússia quando a União Soviética deixou de existir?

Kaminer: Não penso que seja possível regressar atrás na vida. É sempre a avançar. E quero ficar em Berlim, porque é a única metrópole da Alemanha. Não consigo viver na província. As cidades da província são pequenas, mas têm a mania das grandezas. Mas nada disso são temas para a Playboy.

Playboy: Quer falar sobre sexo? Com todo o gosto. Se no socialismo todos são iguais, têm o mesmo dinheiro, as mesmas casas e as mesmas roupas, sobra mais tempo para bom sexo?

Kaminer: Não. O sistema não previa sexo, porque custa muita energia humana, que é necessária à construção da sociedade socialista. O sexo devia ser usado apenas para produzir futuros trabalhadores, e não para ter prazer. Eu, como crítico do regime, via o sexo também como uma maneira óbvia de lutar contra a ditadura. Por isso tentámos, nos nossos tempos de juventude hippie, ter tanto sexo como possível.

Playboy: Muito bem. (...)

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