31 maio 2012

"à frente dos meus filhos, não!"

Contou-me há vinte anos uma velhinha alemã:
"Vinha a fugir dos russos, empurrando uma carroça onde levava o meu filho deficiente. O outro ia a pé, ao meu lado. Eles apanharam-nos uma noite. Dois soldados russos entraram na cozinha de uma quinta, cheia de mulheres e crianças. Escolheram duas: eu e outra. Não tinha como me defender, só lhes disse: à frente dos meus filhos, não!
Saímos para o pátio, e eles violaram-nos contra a parede da casa. Mas os meus filhos não viram nada."


É disto que me lembro quando vejo esta cena de uma terrível violência para a criança, e penso no que se terá passado pela cabeça de um pai que, ao saber que vinham polícias para o prender, decide tirar a criança da sua cadeirinha no carro do colo do cunhado (um refúgio, apesar de tudo) e metê-la no epicentro do medo.



Não concordo com a atitude da polícia, nem a desculpo. Este comportamento parece-me um sinal preocupante de histeria. Seria conveniente dar-lhes uns cursos sobre como manter a cabeça fria quando outros a têm a ferver. E mais ainda: têm de saber agir de modo a inspirar respeito, como agentes da autoridade com sentido de justiça e decência, em quem se pode confiar e a quem se pode pedir ajuda. Caso contrário, dão-nos cabo das referências para o jogo dos polícias e ladrões: ficamos sem saber quem são os maus - o que não nos aumenta muito a vontade de respeitinhar a autoridade.

Mais ou menos a propósito, não resisto a contar uma história de família. Devido às suas ideias políticas, o meu avô paterno arranjou sarilhos com o Estado Novo e em alguma altura, lá para meados dos anos 30, dois polícias foram buscá-lo a casa. O meu pai, pequenino, ao ver os polícias levarem o pai dele para a cadeia, corria atrás deles, a chorar e a insultar os homens. O meu avô virou-se para trás e disse-lhe: "não fales assim com estes senhores, porque estão a cumprir o seu dever."
Independentemente dos valores que defende, admiro este homem que num momento difícil da sua vida tem a decência de acalmar o filho com as palavras da sua justiça e estrutura moral. Com um certo orgulho, imagino-o a caminhar para a prisão com passos seguros e cabeça levantada.

12 comentários:

Lucy disse...

Sinceramente, nesta história estou em desacordo com todos os intervenientes (exceptuando a criança, claro...)

DNC disse...

Helena, não podia concordar mais.

Helena Araújo disse...

Lucy,
a criança, e também (em parte) a polícia que lhe pega ao colo, a tenta acalmar mais longe, e lhe vai mostrar o pai dentro do carro. Apesar de estar no bando errado, está a tentar dar segurança ao miúdo.

Izzie disse...

A polícia deixou-se dominar pela situação, em vez de dominar a situação. Isso aflige-me.
Quanto ao pai, enfim, é um Tuga genuíno, infelizmente.

Helena Araújo disse...

DNC,
nem sei que diga. É mesmo triste, tudo isto.

Helena Araújo disse...

Ó Izzie,
não fales assim dos Tugas! Isto já está suficientemente mau, não é preciso dizeres mal dos meus amigos...
;-)

Do pouco que sei sobre a Polícia, consta que a coisa mais difícil é mesmo aprenderem a ter sempre a situação sob controlo sem perderem o civismo. Dar-se ao respeito, lá está.
Penso que aqui na Alemanha em algum momento se deram conta que era preciso mudar a imagem da Polícia. Não apenas uma imagem de marketing, mas os factos: trabalho ao nível daquilo que um polícia entende que é, e trabalhar no seu modo de interagir com o pessoal.
Parece-me que é um esforço que tem tido resultados muito positivos.

Carla R. disse...

Não vou sequer falar da falta de protecção à criança, porque começaria aqui com palavras em caps lock e não mais acabaria.
Quanto à polícia, o problema tem apenas uma solução simples, mas tão complicada... Quando aconteceu aquele incidente no Chiado, andei a falar com 3 polícias portugueses que encontrei(todos da PSP). Não te passa pela cabeça a falta de formação de que se queixaram (principalmente o mais antigo), da falta de apoio jurídico no seu quotidiano, das boas intenções que ainda têm. Este caso é um entre mil, foi filmado, e é o que o distingue dos outros que ninguém chega a conhecer, mas o problema vai muito mais longe. Sem um investimento sério e urgente (que, convenhemos, não vai haver) na formação para situações de conflito, acompanhado de alterações de base na legislação (que também não me parece...), e cereja em cima do bolo, uma aposta na reabilitação social (aqui estou a sonhar, puro delírio) não contemos com rápidas melhoras. Resta-nos apelar ao bom senso de parte a parte...

Helena Araújo disse...

Também tenho andado a pensar nesse polícias, Carla. Há tempos li uma notícia (devia ser 1º de Abril) a dizer que os polícias agora têm de pagar a própria farda. As dificuldades deles devem ser imensas. E como tu dizes: falta muita coisa no quotidiano daquela profissão.

(mesmo assim, impressiona que entre tantos ninguém se tenha dado conta da violência do que estavam a fazer)

Carla R. disse...

Aperceberam-se, com certeza, mas não devem ter querido/podido ir contra os colegas. Isso já deve fazer parte lá do código deste tipo de instituições, digo eu, que não percebo nada disto, e que, de vez em quando, até mando olhinhos aos anarquistas aqui do quartier.

Jose Ramon Santana Vazquez disse...

...traigo
ecos
de
la
tarde
callada
en
la
mano
y
una
vela
de
mi
corazón
para
invitarte
y
darte
este
alma
que
viene
para
compartir
contigo
tu
bello
blog
con
un
ramillete
de
oro
y
claveles
dentro...


desde mis
HORAS ROTAS
Y AULA DE PAZ


COMPARTIENDO ILUSION
HELENA

CON saludos de la luna al
reflejarse en el mar de la
poesía...




ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE THE ARTIST, TITANIC SIÉNTEME DE CRIADAS Y SEÑORAS, FLOR DE PASCUA ENEMIGOS PUBLICOS HÁLITO DESAYUNO CON DIAMANTES TIFÓN PULP FICTION, ESTALLIDO MAMMA MIA,JEAN EYRE , TOQUE DE CANELA, STAR WARS,

José
Ramón...

Daniela Pamplona disse...

Cara Helena,
Neste filme não é muito claro qual é a intenção do pai.
Poderíamos ver a coisa de outra maneira... Eu consigo imaginar que, estando na situação do pai, acharia que o sitio mais seguro para o meu filho seria nos meus braços.
Repara, se mais de dez policias com caras de pouco civilizados (como foram mais tarde) vierem em direcção a mim e à minha família, parece-me que a minha reacção natural seja proteger os meus filhos, pôs-lo ao meu colo e não os largar por nada.

Tal como o video, o comunicado da PSP tem uma validade dúbia. Mas há coisas que me parecem obvias: demasiados agentes para uma pessoa, agressividade desnecessária (algemá-lo no chão?!?!), o senhor apenas injuriou o senhor policia... Muita parra para pouca uva!

P.S.: segundo o comunicado da PSP, o miúdo estava no colo do tio, e não na cadeirinha. O que se calhar favorece mais a tua hipótese...
P.P.S.: independentemente disto, eu acho que o Portugueses usam e abusam do telemóvel ao volante. E estatisticamente, há muitas mais mortes de crianças por pais ao telefone a conduzir, que por polícias armados em Rambos.

Helena Araújo disse...

Daniela,
os polícias não vinham pela família, vinham apenas por aquele homem. Se eu sei que estou numa situação de perigo, ponho os meus filhos num local seguro ou pego neles ao colo?

A versão do condutor, que encontrei na internet, é assim:

Segundo o cidadão, tudo começou quando um dos agentes lhe tira à força dois documentos negando devolvê-los. Indignado com o abuso, o cidadão insiste que lhe devolvam os documentos. O agente acaba por chamar reforços (1 carrinha + 2 ou 3 carros patrulha). O cidadão aflito chama o filho para o seu colo momento em que a polícia decide detê-lo.

- "O cidadão aflito chama o filho para o seu colo no momento em que a polícia decide detê-lo".
Quanto mais leio isto, mais admiração sinto pela coragem daquela mulher que sabia que os soldados russos a queriam violar e sabe-se lá que mais. "À frente dos meus filhos, não!"

Sim, há coisas no comportamento dos polícias que parecem óbvias. Aquilo é de uma impressionante falta de proporcionalidade.