11 maio 2011

diário de San Francisco

Estava eu a limpar o pó aos meus ficheiros digitais, e a tentar pôr ordem naquela espécie de caixa de sapatos cheia de papéis importantes, eis que tropeço num pequeno relatório que fiz para amigos brasileiros há mais de dez anos. A vantagem dos amigos internéticos é que a gente vai de um lugar para outro, e eles vão connosco. De modo que eu, acabadinha de chegar a San Francisco, tinha uma intensa vida social (hihihi), fazendo relatórios como o que passo a seguir, porque hoje é dia de muito trabalho (podem crer, e ter pena de mim), e se não tenho tempo para escrever um post novinho em folha sempre sobram alguns minutos para fazer um pequeno plágio de mim própria.

***

Alguma coisa faço mal quando atravesso os pátios e a lavandaria para chegar à garagem, porque os vizinhos que encontro no caminho olham para mim com um olhar distraído e perscrutador, assim tipo „deixa-me ver bem quem é esta aqui, fazendo de conta que não vi nada“ e eu sorrio e digo-lhes hello ou good morning e eles desviam o olhar e de repente já não estão lá.
Será que têm medo que eu lhes vá pedir um quarter?

Fui assistir à „Bay to Breakers“, corrida de 8 milhas, praí uns 5.000 corredores e mais 95.000 malucos, entre a downtown e o Pacífico. Com a sorte que tenho, precisei de mais de uma hora para estacionar o carro, depois perdi-me no Golden Gate Park e acabei a atravessar uma grill party de gays muito assumidos: os homens vestidos de mulheres ou quase despidos, com palavras e setas pintadas nas costas
(infelizmente esqueci-me qual era a palavra e foi uma pena, porque não a conhecia e tirei pelo sentido (pelo sentido da seta, entenda-se) e estava toda contente por saber uma palavra nova. Embora tenha a sensação que não é uma palavra que eu possa usar muitas vezes… )
e as mulheres mais ou menos despidas, e a Christina a perguntar „aquele ali é homem ou mulher?“ e eu sem saber o que responder a a andar pelo meio deles com os meus dentes de teenager com arames e os dois filhos pela mão, a fazer de conta que não estava ali e não via nada e a tentar ver o mais possível com o tal olhar distraído e perscrutador (já aprendi alguma coisa) e a andar tão depressa e tão naturalmente quanto possível e a pensar „aposto que estas só me acontecem a mim!“.
Mas sempre consegui chegar à rua onde passavam os corredores, incólume e tudo (que é como quem diz: incólume, e nada), e lá ficamos 3 horas a ver passar gente louca.
Estes americanos são mesmo doidos: na sauna, andam vestidos, e depois vão correr nus para a rua (mas com sapatos e meias, era muito divertido).

Fui ver o filme mais recente do Woody Allen com o meu grupo social de esposas de investigadores da USCF.
Vamos por partes:
O filme: não sei o que me dá para ir ver filmes do Woody Allen em países cuja língua não conheço bem. Pouco depois de chegar à Alemanha, fui ver „Bullets over the Broadway“ e não percebi patavina, claro. Chego aos USA e reincido. O problema é a cervejinha depois, toda a gente a querer dissecar o filme, e eu a tentar virar o bico ao prego e a dizer com um ar muito intelectualmente seguro „não consigo entender a linguagem dos filmes do Woody Allen, acho os trocadilhos demasiado herméticos“.
A companhia: sabem como são aqueles grupos de pessoas cujo denominador comum é a qualidade de „acompanhante“? Sem dar por ela, caí num grupo assim: as esposas dos investigadores, que se juntam para cozinhar, ir ao cinema, fazer baby-sitting, ir ao parque infantil… este ano promete!
Saímos do cinema e tentámos pagar o estacionamento na caixa automática. Ao fim de 10 minutos já ali havia um grupo de gays divertidíssimos a observar a cena de 6 mulheres, algumas delas com ar de senhora, tentando meter notas de dólar na máquina. Finalmente conseguimos pagar, e fomos para a Irving beber a tal cervejinha do meu suplício. Para estacionar foi outra vez uma cena: a condutora tentou várias abordagens ao passeio, depois uma das acompanhantes saiu do carro para ajudar a fazer a manobra, e depois uma das pessoas da assistência que entretanto se formou teve dó e tirou um carro para nós termos dois lugares e podermos estacionar.
Se continuar a sair com este grupo, não sei: ou morro de riso, ou de vergonha.


A Marlyeen, a tal vizinha que adoptou os meus filhos, estava aqui quando me telefonaram e eu falei um bocadinho em português. Quando desliguei, deu-lhe um ataque de „it‘s amazing!“ e „I can‘t believe it!“ Quando, se acalmou, perguntou: „esses sons todos significam alguma coisa?“.
Eu ri-me e disse-lhe que os brasileiros também se perguntam a mesma coisa quando ouvem os portugueses falar.


Passámos pelo cemitério militar do Presidio, e ficámos impressionados com o espectáculo de tantas cruzes alinhadas. A Christina perguntou „estes soldados eram dos maus, ou eram dos nossos?“ – para pergunta feita por uma alemãzinha, não está mal…

De garage sale em garage sale (as melhores são as do Castro, onde vive a comunidade gay cá da terra) fomos parar a uma feira de antiguidades. Encontrei lá uma carteira de escola que tinha vindo de França, linda, tal e qual como a da minha escola primária (não é que eu seja muito velha, Portugal é que tem um mobiliário escolar muito conservador e cala-te boca que não tarda nada meto água…), e custava $390.
O Joachim também gostou da mesa mas, por muitas razões, todas elas perfeitamente lógicas e aceitáveis, não queria comprar a mesa nem dada. Ou seja: o dono a querer vender, o Joachim a não querer comprar, no quarto das crianças há agora uma mesa lindíssima que custou $220.

Em frente à minha casa há uma árvore soberba. Grande, com o tronco cheio de rugosidades e nós. Lembra-me sempre uma sequóia após ter sido sujeita a um tratamento de bonsai. Talqualzinha.

Por causa do dólar a dois marcos, comprámos na IKEA estantes das mais baratas (mais baratas mesmo, estantes de arrumar tralha na cave) e tentei dar-lhes um ar mais digno pintando-as com as tintas que vendem também na IKEA. Não sei se ficou digno, acho que está assim mais para o garrido, mas depois de eu ter passado uma semana a pintar estantes e a lavar pincéis, ai de quem entrar nesta casa e não desatar a dizer „noooooossa, como é liiiiiindo!“

E por falar na IKEA: conhecem aquela história do homem que foi viver para umas montanhas não sei onde e vai dando notícias, a princípio fascinado com a neve e depois desesperado com a neve? Ontem, vista do restaurante da IKEA, a baía estava linda, com a água muito verde e as montanhas ao fundo, adoçadas pela neblina. Em duas semanas já fui à IKEA 7 vezes. Já não consigo sequer ver as almôndegas, aquelas almôndegas suecas, fantásticas – quanto mais cheirá-las ou comê-las.

Alguém sabe onde posso encontrar bacalhau em San Francisco?
E vinho do Porto que não seja de Napa Valley?
Já só me falta isso, e mais ver-me livre do meu grupo de senhoras, e mais encontrar gente interessante, e mais aprender a falar um inglês decente e depois acho que terei chegado.

4 comentários:

Rita Maria disse...

As perguntas da Christina lembram-me uma vez em que nocomboio, confrontada com uma velhota de mini-saia e cores garridas, perguntei à minha mae: "Ó mae, esta senhora é nova ou velhinha?"

Helena Araújo disse...

:-)

Helena Araújo disse...

Comentário da sem-se-ver:

:) para o comentário da rita

a ambas:
ora sigam lá o link e pf digam-me se a tradução para portugues (com ç em vocês!...) é correcta ou não...

http://www.youtube.com/watch?v=q249YeaB-rs&feature=youtu.be

(a mim parece-me que nao, do meu parclo alemão, mas...)

Helena Araújo disse...

*suspiro* já começo a estar tão farta dessas legendas em cima de filmes alemães...
É sobre o Thilo Sarrazin, que diz que os estrangeiros passam a vida a mamar do Estado. Este diz que o Sarrazin tem passado a vida a comer do Orçamento de Estado. E mais umas coisitas. Não tem grande graça, e com as legendas em português fica, digamos, cansativo.
Uma vez tem graça, depois é uma chatice.