18 junho 2008

Tratado de Lisboa - um ponto da situação

A Europa dos 27 precisa urgentemente de um novo conjunto de regras, sem o qual não pode funcionar com eficiência.

A Constituição, que deveria ter entrado em vigor em Novembro de 2006, foi chumbada por referendos.

A Constituição, como o Tratado de Lisboa, não foi obra de um ditador escondido na sua torre. Foi o resultado de um tremendo esforço para equilibrar os interesses dos 27 membros da União. Foi criada e discutida não apenas pelos temidos e odiados eurocratas, mas também pelos legítimos representantes políticos de cada país.
Duvido que, se este processo tivesse sido mais democrático, sendo o texto escrito por uma assembleia constituinte, os seus conteúdos fossem divergentes dos do texto de que dispomos actualmente (não estou a falar da complexidade na formulação, estou a falar dos conteúdos).

Dado que a Constituição (ou o Tratado) já é o resultado de um enorme e difícil esforço de convergência dos 27, não se pode perguntar por referendo se cada país concorda com o texto, porque isso obriga a retomar ad infinitum as discussões com os restantes 26. Não se pode votar o texto, mas pode-se votar a adesão do país ao grupo que aceita esse texto.

Se a pergunta do referendo não fosse "Approuvez-vous le projet de loi qui autorise la ratification du traité établissant une Constitution pour l'Europe?" mas "quer que o seu país faça parte de uma União onde esta Constituição vigora?", acredito que os resultados seriam bem diferentes. Especialmente se alguém se desse ao trabalho de fazer uma tabela simples a comparar o funcionamento da Europa "antes" e "depois" da aprovação desse texto.

Como a Constituição não passou e a Europa precisa urgentemente de regras novas, criou-se o Tratado, que devia entrar em vigor em Janeiro de 2009. Foi um truque pouco democrático? Foi. Mas quais eram os seus objectivos? Mais democracia e mais eficiência para a União, escapando às jogadas palacianas de cada país - essas sim, nada democráticas.

Foi um erro, vejo agora. Devia ter-se feito um referendo em todos os países a perguntar isto: quer uma Europa cada vez mais unida e com regras que a tornem viável, ou uma a várias velocidades e, nesse caso, o seu país deve pertencer ao núcleo duro ou à periferia?

Uma vez realizado esse referendo, os países do núcleo duro recomeçariam tudo de novo, criariam uma assembleia constituinte para escrever o texto, que seria levado a discussão nos países, e far-se-ia um referendo global para aprovação dessa Constituição. Perder-se-iam anos, para ganhar concretamente o quê?
Isso que se quer ganhar está irremediavelmente perdido se este tratado for aprovado agora pelos representantes eleitos de cada nação e entrar em vigor em Janeiro de 2009?

Este tratado desloca o poder da oligarquia de Bruxelas para a democracia de Estrasburgo, para os parlamentos nacionais e para os cidadãos. Pode ter começado de forma pouco democrática, mas o seu resultado é mais democracia do que a que existe actualmente. Além disso, permite a saída dos membros - nenhum país fica obrigado a aceitar um status quo com o qual não concorda.

Pode dizer-se que o tratado não foi referendado nos outros países, e que se houvesse mais referendos haveria mais chumbos.
Mas um referendo não é a única forma de protesto. Onde estão as manifestações de rua? Onde estão as primeiras páginas de jornal a avisar que na Europa está a ser perpetrado um golpe de Estado nos bastidores das secretarias? Onde estão os debates ao rubro nos Parlamentos? Em que países há sinais de que este tratado causa um profundo mal-estar?

A minha proposta:
- o tratado entra em vigor em Janeiro de 2009 para os países que o aprovarem
- os países que não o aprovarem passam para uma segunda liga, e vão discutindo ao ritmo que quiserem os mecanismos de excepção que querem para si
- nos países que aprovarem o tratado sem referendo, e onde se notar muita resistência a essa escolha, faz-se um referendo: quer permanecer no núcleo duro ou prefere passar para a periferia?


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Uma outra questão, só para provocar: pelos vistos, a Irlanda rejeitou o tratado por medo de perder autonomia em questões tão importantes como o casamento dos homossexuais e o aborto. Será que a União Europeia quer no seu seio um membro que entende ser obrigação do Estado complicar a vida aos casais homossexuais e criminalizar as mulheres que abortam?...
(por estas e por outras é que nunca chegarei a Presidente da Comissão)

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