Há dois pontos fundamentais que me incomodam na Carta Aberta aos Deputados, subscrita pela comissão instaladora da Associação Portuguesa de Infertilidade (via Da Literatura):
1. A referência ao desastre demográfico europeu e a falência do modelo de segurança social - parece-me que estão a confundir dignidade da criança e produção filhícola.
Confesso que ouço muitas vezes esse argumento aqui na Alemanha, e sempre me surpreende: há alguma diferença entre um filho e um seguro poupança-reforma; e, já agora, se estamos a falar em termos economicistas: um seguro poupança-reforma fica bem mais barato que um filho.
2. A defesa dos interesses das mulheres, sem qualquer referência aos interesses da criança.
Para discutir:
- Não é importante para uma pessoa saber quem é/era o seu pai? Mais: não devia isso ser um direito?
- Não é importante para uma pessoa saber que nasceu do desejo e do amor de um homem e uma mulher, ambos com nome concreto, história e raízes? Não é importante conhecer todas as circunstâncias da sua origem?
Para não me acusarem de conservadora e preconceituosa, dou já de barato que não faço questão que os pais estejam casados. Basta-me que o dador de esperma assuma a paternidade da criança que vai nascer, e todas as responsabilidades inerentes, inclusivamente a económica. Que seja claro que os progenitores biológicos têm deveres iguais em relação à criança, e a criança tem direitos iguais em relação a ambos.
Pois. Se for assim, fico logo com uma série de pruridos éticos resolvidos.
Pensando bem, desarrisca: pois se num casal há o problema da infertilidade masculina, porque é que o desgraçado do dador do esperma, que o faz para ajudar o casal, há-de ficar para sempre preso àquele filho e àquele casal?!
Pensando bem, arrisca de novo: e porque é que este filho há-de ficar para sempre preso ao enigma do seu pai biológico?!
Como é que isto se resolve a contento de todas as partes interessadas?
Dirão, com certeza, que há muita miséria por esse mundo: crianças resultantes de violações ou one-night-stands, crianças vítimas de toda a espécie de suplícios, crianças orfãs, etc.
Pois há - mas o facto de existir não torna a miséria desejável, razoável, ou sequer normal.
E - chamem-me retrógrada, se quiserem - considero que é uma miséria profunda responder à criança que pergunta quem é o seu pai biológico, "não sei, vieste de um banco de esperma".
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