25 novembro 2017

"assimetria"



Esta manhã mostraram-me uma notícia da ARD, informando que em 2016, na Alemanha, 146 mulheres foram vítimas mortais de violência doméstica. Nesse ano, 82% das vítimas mortais de violência doméstica foram mulheres.

Espreitei os comentários. Um dos primeiros dizia: "então e os homens? eles também apanham!"
Típico. A habitual tentativa de argumentar de forma simétrica para iludir a questão gritante da assimetria de poder e de força chega a ser patética. Como alguém respondeu: "É óbvio que não se pode esquecer a violência exercida contra homens. Mas a relação 82% para 18% é muito clara. Tão clara, que não permite que as pessoas recorram ao whataboutism para desviar a atenção dos factos."

E quais são os factos?
Um inquérito a 42 000 mulheres dos 28 Estados-Membros da União Europeia revelou que a violência contra as mulheres compromete os seus direitos fundamentais, tais como a dignidade, o acesso à justiça e a igualdade de género.AS mulheres foram questionadas sobre as suas experiências de violência física, sexual ou psicológica, incluindo atos violentos perpetrados por um parceiro íntimo («violência doméstica»), bem como sobre a perseguição, o assédio sexual e o papel desempenhado pelas novas tecnologias nos abusos sofridos. Foram igualmente inquiridas sobre as suas experiências de violência na infância.
(...) Por exemplo, uma em cada três mulheres sofreu violência física e/ou sexual desde os 15 anos de idade; uma em cada cinco mulheres foi vítima de perseguição; uma em cada duas mulheres foi confrontada com uma ou mais formas de assédio sexual. Estamos, deste modo, perante um quadro de abuso disseminado, que, embora afete a vida de muitas mulheres, é sistematicamente objeto de notificação insuficiente às autoridades. Os dados oficiais não refletem, por conseguinte, a amplitude da violência contra as mulheres.


Voltando ao meu site da ARD, e para piorar ainda mais: alguns comentários à frente, apareceram cidadãos alemães daqueles tipo "preocupados com a islamização da Europa" a insinuar que isso é uma problemática dos imigrantes. Ao que outra pessoa respondeu: "Há alemães que se tornam feministas convictos quando a violência sobre as mulheres parte de um estrangeiro; quando é perpretada por um alemão, usam-se as habituais frases misóginas."

Seria caso para dizer: uma assimetria nunca vem só...
A tragédia das mulheres imigrantes vítimas da violência do seu companheiro ou dos familiares é instrumentalizada para um discurso xenófobo que repudia os imigrantes. As mulheres estrangeiras, ou filhas de estrangeiros, que sofrem às mãos de um companheiro violento tornam-se assim duplamente vítimas - da violência doméstica e da violência, pelo menos verbal, dos xenófobos.

Neste contexto, calha às mulheres refugiadas um lugar de particular fragilidade. Traumatizadas e no meio de gente traumatizada, com os nervos em franja, tendo percorrido uma rota de fuga na qual terão sido testemunhas e até vítimas de situações de enorme violência, abrigadas tantas vezes em alojamentos sem um mínimo de condições nem privacidade, é particularmente cínico que alguns cidadãos europeus "preocupados" dirijam discursos de ódio contra o desgraçado grupo em que se encontram.

A Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia preocupa-se particularmente com estas mulheres. Uma vez que o contexto de refugiada sujeita estas mulheres a riscos acrescidos de violência, pede-se aos países da União Europeia que tenham um cuidado especial com elas, nomeadamente estando mais atentos às questões da violência de género - neste grupo em particular, e no conjunto da sociedade em geral.

Para terminar, uma história que nos dá esperança e indica o rumo a seguir: há tempos vi uma entrevista a uma mulher que vive num hotel berlinense convertido em abrigo para refugiados. Contava ela que o seu marido sempre fora um homem que batia nela e nos filhos. Ao chegarem à Alemanha, fizeram-lhe saber que esse comportamento não era aceitável neste país. Como o homem não conseguia controlar-se, foi afastado da família e proibido de chegar perto da ex-mulher e dos filhos. A mulher contava tudo isto com um ar de segurança e alívio que me comoveram: quanto não vale viver num país cujo Estado e cuja sociedade estão atentos às assimetrias e fazem o que está ao seu alcance para proteger os mais fracos!


1 comentário:

CCF disse...

Totalmente de acordo!
~CC~