13 fevereiro 2013

Berlinale 2013 - The Spirit of '45



Vou começar este post pelo fim, por uma frase de Ken Loach durante o debate com o público:
"O problema foi que passámos da propriedade privada para a máquina burocrática estatal, mas o povo não entendeu que era ele o proprietário."
Esta frase não me sai da cabeça: se tivéssemos tido consciência de que os hospitais, os comboios, a energia e a água, as empresas nacionalizadas depois do 25 de Abril, se tivéssemos tido consciência de que tudo isso são bens nossos, ao nosso serviço e ao serviço do país, e não "deles" - teríamos então agido como proprietários, recusando assistir em silêncio cúmplice aos mil actos quotidianos de corrupção, desperdício e má gestão?
Se tivéssemos consciência de que aqueles bens eram nossos, e ao serviço do futuro do nosso país, será que a nossa história teria sido diferente?

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The Spirit of '45 é um documentário a preto e branco que nos lembra de onde viemos (um exemplo chocante, ainda normal em meados do séc. XX: quatro e cinco irmãos a dormir juntos numa cama cheia de baratas, a passar fome, e a apanhar reguadas na escola por não terem os joelhos limpos), o que conquistámos e o que perdemos. Se dúvidas houvesse, as múltiplas vagas de aplausos ao longo do filme deixariam bem provado que toca um nervo muito sensível do nosso tempo.

O documentário é um alerta e uma tomada de posição política, com imagens que parecem decalcadas do nosso futuro (como a cara das pessoas que esperam na fila para a sopa dos pobres) ou dos nossos dias (como esta frase de um político trabalhista, durante a campanha eleitoral de 1945: "vender papéis e mexê-los de um lado para o outro não cria riqueza" - que foi entusiasticamente aplaudida naquele cinema).

Mas deixa também uma margem para desconfiança: onde está o contexto? onde estão as informações suplementares? porque é que o povo inglês, que - a crer no filme - beneficiou tanto desta nova concepção de Estado, rapidamente trocou os Labour pelos Tories, e abriu caminho ao neoliberalismo da Thatcher? Como é que se passa do "todos com todos, o objectivo é o bem-estar nacional" para o "cada um por si, o objectivo é o lucro"?

Um filme indispensável: para ver e debater.

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