2 Dedos de Conversa
... sobre o que nos desaquieta
22 julho 2025
binóculos de ver na terra curva
18 julho 2025
música assim
"Geórgia"
17 julho 2025
fatídico
*terapia*
Na semana passada, o tema do Largo, aquele tal grupo de escrita, era "Terapia". Ando há mais de muitos dias a pensar o que posso dizer sobre um tema tão vasto. Não me apetece fazer confissões, não me apetece fazer de conta que sei do que estou a falar.
E eis que veio a poesia, e me salvou. (Salva sempre.)
Para chegar a esse infinito, é preciso primeiro despejar todo o conteúdo das gavetas, escolher, destralhar, tirar o pó, e arrumar de novo - mas apenas o que interessa.
(Quem diria que o trabalho doméstico também salva?) --- As terapias delas:
- Panados e arroz de tomate
- Gralha dixit
- O blog azul-turqueza
- Quinta da cruz da pedra
- A Gata Christie
- A Curva
16 julho 2025
a Cisjordânia aqui tão perto
15 julho 2025
harmonia polifónica
Já aqui contei que o meu coro e o Seda-i Aşk, do Conservatório de Música Turca, de Berlim-Kreuzberg, prepararam em conjunto um concerto que combinava músicas da cultura ocidental e da turca. Devido a outros compromissos, retirei-me deste projecto há cerca de um mês, ficando apenas com a responsabilidade da bilheteira no dia do primeiro concerto. E foi assim que dei comigo a assistir ao concerto do meu próprio coro sentada na última fila da igreja.
Bem sabia o que nos esperava, tanto mais que aprendera praticamente todas as peças. Mas nada me preparou para esse momento em que, no início do concerto, no altar da velha igreja berlinense, se ergueram as vozes de dois coros tão diferentes unidas num apelo:
Este verso naquele espaço, entre o crucifixo e os típicos tijolos maciços da arquitectura sacra berlinense, levou-me para um lugar sereno dentro de mim, algures entre a alegria e a evidência: é isto mesmo, é assim que está certo. Imaginei que o Deus do Novo Testamento - o Deus do sermão da montanha, o Deus que é amor - estaria naquele momento a sorrir comigo, igualmente comovido. E continuaria a sorrir numa das peças seguintes, "Alta Trinita Beata", de um anónimo no século XV, cantada de novo por ambos os coros. Talvez deixasse até escapar uma lágrima no "Verleih uns Frieden", de Felix Mendelssohn, o filho de judeus.
Nos dez anos que agora completa, o coro Bancanta já teve projectos muito ambiciosos, mas este HeimatDIALOG foi, para muitos de nós, o mais difícil. Aprender as músicas do coro turco obrigou-nos a mudar a forma de trabalhar. Deram-nos - a nós, habituados a ler notas e a contar tempos - partituras com função meramente indicativa. Protestávamos: "vocês não cantam como está escrito!" Mas, a pouco e pouco, fomos aprendendo a ouvir o ensemble instrumental turco, a entrar no espírito e no ritmo do momento, a deixar-nos ir com os outros. E aprendemos também a reconhecer as pessoas e a libertá-las da categoria "turcos de Berlim". O violinista Fahri Karaduman, que nos deixava mudos de encanto. A jovem Büşra Mercan, que tem dois professores de violino, uma alemã e um turco, e terminou agora o mestrado em tecnologia alimentar. A soprano que punha na mesa petiscos deliciosos, e nos sorria com orgulho. Ou a contralto que ficou ao meu lado num ensaio, e me contou que quando veio para Berlim, em criança, já falava três línguas: o árabe da sua etnia; o curdo, que era a língua da maioria na região onde nasceu; e o turco, que a Turquia moderna tornou obrigatório para todos.
Seis meses de trabalho e diálogo para chegar àquele concerto: a cantar uns com os outros as músicas de uns e dos outros.
Algumas das peças foram cantadas por apenas um dos coros. O meu apresentou A Little Jazz Mass, de Bob Chilcott, que é também um diálogo entre duas margens de Heimat da cultura ocidental: a liturgia latina e o jazz.
Mas não só de religião vive a Heimat. O programa deste diálogo incluiu canções de amor ora em turco ora em alemão, e várias composições berlinenses, dos anos vinte aos anos cinquenta, entre as quais "Ich bin von Kopf bis Fuß auf Liebe eingestellt" (estou pronta para o amor, dos pés à cabeça), que conhecemos de Marlene Dietrich no filme Anjo Azul, e "Heimweh nach dem Kurfürstendamm" (saudades do Kurfürstendamm), peça composta em 1949, em pleno bloqueio soviético, lembrando a mais famosa avenida da parte ocidental da cidade, que nessa época ainda estava em ruínas. Canções sobre o desejo de ser feliz e de partir em busca da felicidade, sobre a alegria e sobre o mau feitio dos berlinenses, sobre as saudades de casa - canções da Berlim, às quais o ensemble de instrumentos tradicionais turcos emprestava um cunho particular. E mais uma vez me comovi a ouvir os nossos companheiros do coro Seda-i Aşk a cantar em alemão "Ah, tenho tantas saudades do Kurfürstendamm, tenho tantas saudades de Berlim!"
Ali estavam dois coros a dizer com música que, independentemente da nacionalidade, da religião, da cor dos olhos, e do lugar onde nascemos: todos queremos amor, todos andamos em busca da felicidade. E todos temos direito a ser parte da cidade que amamos.
No final do primeiro concerto, o nosso maestro exclamou alegremente: "Um projecto que devia ser visto em toda a cidade de Berlim!"
Penso que é bem mais do que isso. Bom seria que projectos como este fossem repetidos por muitos outros coros em toda a Alemanha, em toda a Europa. Porque precisamos cada vez mais de aprender a ouvir-nos mutuamente, olhar nos olhos daqueles a quem chamamos "os outros". Precisamos de aprender a estima mútua.
Porque, como escreveu Goethe,
A tolerância devia ser um sentimento transitório: tem de dar lugar à estima.
A indulgência ofende.
Venham mais polifonias assim! Venha a harmonia.
(Oh, Alá, abençoa! Dá, Senhor, a tua paz ao nosso tempo.)
13 julho 2025
toda satisfeita da vida
Ando há um mês a evitar disciplinadamente o corredor dos chocolates no supermercado (um mês inteiro, e ainda ninguém se lembrou de me dar uma medalhinha? e ainda dizem que vivemos em meritocracia e tal, mas eu cá só vejo que o esforço não é recompensado!) mas hoje, depois de encher o cesto de legumes e frutas, passei por lá para tirar uma fotografia à prateleira dos Tony’s, por causa de uma visita de estudo que quero organizar para uma amiga. Estou a pensar numa coisa muito científica, com tradução simultânea, escolha de amostras, e tudo.
11 julho 2025
o meu amor
O "dueto do ciúme", na Ópera dos Três Vinténs de Brecht, é uma canção agressiva, em que duas mulheres se insultam mutuamente e rematam com o grito "ridículo!"
Na sua versão Ópera do Malandro, Chico Buarque (vá-se lá saber porquê...) transforma o texto numa delícia de sensualidade. Em palco, Marieta Severo e Elba Ramalho cantam esse amor como quem atira pedras, a meio caminho entre a ideia de Brecht e a de Chico Buarque.
Mas depois, em concerto, Maria Bethânia e Alcione conseguem distanciar-se do clima de competição, e quase entram numa de poliamoria (moderninhas, elas...) - e fazem desta canção uma escola de erotismo.
Eis então: a Arte de Amar, segundo Chico.
imagina...

10 julho 2025
apesar de conhecer o fim

09 julho 2025
um passeio com Kurt Weill
Não sei como dizer a admiração que sinto por estas cantoras portuguesas que vi ontem na Schwartzsche Villa a oferecer um programa de Kurt Weill. Já me tinham dito que era muito bom: um passeio no tempo, desenhando com as canções de Weill figuras femininas dos anos vinte e trinta do século passado. Tal como o próprio Weill, em fuga da Alemanha nazi, as canções mudavam de língua - alemão, francês, inglês. E elas passavam entre idiomas, canções e personagens com segurança, e nervo, e graça.
E ainda estou para encontrar um refrão de "Surabaya Johnny" (mesmo da Lotte Lenya, e muito menos da Nina Hagen) com a tensão, a intensidade desesperada que a Inês Pinto lhe emprestou. (De modo que é isto: já não tenho idade para ser groupie de ninguém, mas agarrem-me, que...)
08 julho 2025
o Ronaldo e nós
*salvação*
Salvação, para um católico, é a da sua alma. De um modo geral. Para uma católica da minha laia, é a do mundo. Nenhuma alma se salva sozinha. O processo de salvação - que é, no fundo, uma busca de sentido para a vida - é um caminhar de braços abertos para o mundo, e sobretudo para aqueles que mais sofrem.
Pouco me preocupa o juízo final, esse terrível momento em que virei a saber se me salvei ou não. Interessa-me mais o juízo de cada dia: hoje ajudei a tornar o mundo pior ou melhor do que estava?
(O que me lembra uma frase que li algures, sobre um pai que deixou de perguntar aos filhos como foi o dia deles na escola, e passou a perguntar "quem ajudaste hoje? a quem ofereceste um gesto de empatia e simpatia?")
De modo que ando na vida como o elefante da anedota atravessa o lago: tentando saltar suavemente de nenúfar em nenúfar.
Um dia virá, então, o Juízo Final - e por sorte quem o vai presidir é o Pai, e não o Filho. Sim: por sorte! Porque o amor deste Pai é generoso e benevolente, ao passo que, em certos dias, não há nada mais cortante e impiedoso que o julgamento dos filhos.
Aqui chegada, dou-me conta de que este pequeno passeio escrito ao correr do teclado me levou para uma questão existencial que até agora não tinha, e confesso que não me fazia falta nenhuma: se o Juízo Final fosse presidido pelos meus filhos, ou os meus vizinhos, ou os meus colegas de trabalho, ou os sem-abrigo com quem cruzo caminhos: será que me salvava?
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Por erros meus, má fortuna e uma ou outra coisita mais, tenho feito gazeta ao colectivo de escrita que todas as semanas publica sobre um determinado tema. Deixei passar "caramelo", deixei passar "não bebo cerveja" (mas este, senhor juiz, deixei passar porque só me ocorriam brejeirices a propósito da delicadeza com que me introduziram à segunda cerveja da minha vida, e achei que já me desgracei q.b. por aqui, não precisava de acrescentar mais nada). Deixei passar muitos outros.
Um dia destes, ainda correm comigo do grupo. Pelo que me apressei a falar sobre salvação, que era o tema da semana passada.
Outras salvações:
07 julho 2025
o problema não são eles, somos nós
hable con ella
06 julho 2025
sabem quem é que também usou nomes para identificar os "inimigos"?
[ A propósito, lembro dois nomes que, segundo a mesma lógica, seriam "zero alemães, zero alemães, zero": Uğur e Özlem. Ele nasceu na Turquia, ela nasceu na Alemanha, filha de pais turcos. O pequeno Uğur era um aluno brilhante, mas os professores da sua escola primária alemã entendiam que filho de turco só pode ser "burro". Graças à intervenção de um vizinho alemão foi possível inscrever o menino na via de ensino mais exigente. Foi o aluno mais brilhante do liceu, fez carreira académica, e inventou com a sua mulher Özlem a vacina Biontech. A empresa deste casal fez com que, em 2021, o crescimento do PIB alemão tenha sido de 2,8% em vez de 2,3%. Gostava de saber quem era o professor ou a professora que quis impedir que o jovem Uğur continuasse os estudos no liceu, e se tem consciência da dimensão do seu erro, e do prejuízo que o seu preconceito podia ter causado ao Vaterland. Mas ninguém diz o nome desses "alemães de bem". ]