04 abril 2025

Chamberlain

Mais comentários da actualidade, directamente do meu sofá: Informa a Spiegel que, depois da Espanha, da França e da Bélgica, a nova Inquisição trumpiana chegou à Alemanha: a embaixada norte-americana em Berlim enviou cartas a empresas e organizações não governamentais para saber se estão a obedecer à ordem de extinção dos programas de diversidade, equidade e integração decretada por Trump.

Outras embaixadas dos EUA na Europa, que não a de Berlim, enviaram um questionário com 36 perguntas. Entre outras preocupações, querem também garantir que os respectivos projectos não contêm nenhum elemento de environmental justice, ou seja, da ideia de que todas as pessoas, independentemente da cor da pele, da origem ou do grau de riqueza têm direito a um ambiente saudável. [ Pequeno aparte: quando criticavam e se riam da chamada cultura woke, por acaso vos ocorreu que seriam estas as consequências da ofensiva de ódio dirigida contra qualquer esforço de criar uma sociedade com oportunidades iguais para todos? ] Entendo perfeitamente que o Estado norte-americano queira assegurar que as empresas estrangeiras com as quais estabelece contratos, bem como as ONGs que financia, cumprem as regras daquele país. Ao fim e ao cabo, a UE também faz exigências a muitas empresas de outros países que produzem para o mercado europeu, nomeadamente no que diz respeito à proibição de mão-de-obra infantil, às condições mínimas de trabalho, ou na área da protecção do meio-ambiente. Mas tenho algumas dúvidas quanto à praticabilidade da sujeição às ordens daquele desnorteado que hoje diz uma coisa e amanhã o seu contrário ("Did i say that? I can't believe I said that. Next question."). [ Pequeno aparte: Trump pensa que as suas tarifas vão fazer com que as empresas decidam deslocar a produção para os EUA, aumentando o número de postos de trabalho; mas ontem ouvi um empresário alemão dizer que, apesar das dificuldades provocadas pelas tarifas, não pode pensar em abrir uma fábrica nos EUA, porque as políticas governamentais são extremamente voláteis e imprevisíveis. ] Como ia dizendo: embora tenha algumas dúvidas quanto à praticabilidade, entendo o ponto de vista do Estado norte-americano. Apenas exijo reciprocidade. A UE também deve assegurar-se que as empresas dos EUA com as quais faz contratos e as ONGs que apoia cumprem regras básicas europeias, nomeadamente no que diz respeito à promoção da diversidade, da equidade e da integração, e também ao respeito pelas minorias. [ Tenho um sofá impecável, não acham? O mundo visto a partir dele é muito simples: se Trump quer guerra económica vai ter guerra económica, se quer deals vai ter deals segundo as nossas condições. Rapidamente e em força, como dizia o outro. ] E depois volto a dar-me conta de que estamos encurralados entre um Putin que já cometeu crimes terríveis na Tchetchenia, na Síria e na Ucrânia (e que tem sonhos húmidos relativos a outros países da UE, e que gosta de brandir a ameaça da guerra com bombas atómicas) e um cabeça de vento desnorteado e completamente vendido a quem paga mais, que parece ter sonhos húmidos com um Putin seminu de botas altas de cabedal e chicote na mão. Estamos tragicamente encurralados entre o país mais poderoso do mundo em processo de implosão e a sua domina em Moscovo; a nível interno, ainda temos as coelhinhas da Playboy do Trump e do Putin, como o Vintruja e os seus quarenta ladrões.

Durante muito tempo perguntei-me como tinha sido possível a Alemanha descarrilar para o III Reich. Entretanto, já sei: é um movimento que parece inexorável, como se o diabo de repente se tivesse posto ao volante do mundo. E também começo a compreender melhor Chamberlain. Para grande desgosto do meu sofá. [ A vantagem de a História se repetir é que, ao menos, perdemos qualquer espécie de arrogância em relação a quem nos precedeu e no seu tempo titubeou tal como nós hoje titubeamos no nosso. Tanto mais que eles nem sequer estavam avisados. ]


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