(Autor: Lichinga)
Por causa da horrível tragédia que se abateu depois do 7 de Outubro sobre Gaza, e das palavras de ordem para acabar com Israel, comecei a ver as alheiras com outros olhos.
Dei comigo a pensar no sofrimento das pessoas obrigadas a mudar de religião, de cultura e de hábitos, sujeitas ao olhar inquisidor dos vizinhos que vinham verificar se tinham em casa chouriços ao fumeiro como um cristão de bem. A sentir asco pelo sadismo desses vizinhos e inquisidores, provavelmente gente muito convencida dos seus princípios exemplares e da sua razão. A dar-me conta de que, na origem do produto IGP mais vendido em Portugal, está um insuportável terror de ser preso, torturado, queimado vivo no centro das cidades ou expulso do país.
Isso não nos tira nem o sono nem o apetite.
De Gaza para a alheira, e da alheira para a responsabilidade histórica dos portugueses: ao longo de vários séculos, os nossos "egrégios avós", com o seu ódio e a sua desconfiança, infernizaram a vida aos seus vizinhos judeus. A expulsão da Península Ibérica lançou os sefarditas para um descaminho que os empurrou primeiro para o centro da Europa, e depois para o buraco negro de Auschwitz, desembocando na proclamação do Estado de Israel em território palestiniano. Como seria a História dos palestinianos se estas pessoas não tivessem sido expulsas da Península Ibérica? Metade dos judeus que vivem em Israel são sefarditas.
Não foram apenas Portugal e a Espanha. Com algumas honrosas excepções, a Europa inteira, e nela incluo também a Rússia, andou mais de um milénio a fazer crescer no povo judeu a ânsia de um país onde pudesse viver em segurança. Mais de um milénio a perseguir, massacrar, marginalizar judeus. Confinados a guetos, vítimas de terríveis calúnias por parte da religião todo-poderosa dessa era, impedidos de praticar a maior parte das actividades económicas normais no seu tempo, odiados por recorrerem à usura para ganhar a vida, quando não os autorizavam a fazer praticamente mais nada.
Em suma, e para usar a expressão da tal religião dominante: foi por pensamentos e palavras, actos e omissões, que os europeus encurralaram os judeus num sonho sionista.
Neste dia em que comemoramos os 80 anos da libertação de Auschwitz. tenhamos isso presente: quando estendemos um dedo para acusar Israel, estamos a virar três dedos para nós: como queremos ajudar o povo judeu a resolver o problema que os nossos antepassados lhe criaram?
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