26 maio 2024

trabalhar ao domingo

 



Esta manhã, bem cedinho, vi que a nossa produção de mel vai de vento em popa. Somos capitalistas à moda antiga: em troca de um tecto por cima da cabeça, um pouco de água no verão e algum conforto no inverno, o nosso povo trabalha de sol a sol, todos os dias da semana. Nós esfregamos as mãos de contentes e vez por outra elogiamos muito a sua moral do trabalho.

(Nota mental: distribuir uns frasquitos de mel aqui na rua para agradecer o uso dos recursos e da propriedade alheia. É certo que a lei é omissa quanto ao uso das rosas dos vizinhos, mas ao fim e ao cabo nem com uma dúzia de gripes e constipações consigo dar cabo dos nossos produtos em armazém.)

Caso perguntem porque andava eu própria a fazer figura de capataz de abelhas tão cedo a um domingo, sim, adivinharam: o Fox veio cá passar uns dias. O Matthias está de férias, e há dias o amigo que ficou a cuidar do Fox, lá no apartamento que partilham, avisou-me que o bichinho andava com diarreia, e nessa manhã tinho estado a tremer e a arquejar. Fui buscar o Fox, levei-o à veterinária, tive direito à cena habitual de "ai eu por esta porta é que não entro, deves estar tola, é que nem penses!", entrámos, e enquanto eu falava com a veterinária o Fox teve novo ataque lancinante de diarreia, desatou a arquejar e a tremer junto à porta, aflitíssimo.

- Dá-me licença de o levar à rua num instantinho?, perguntei eu à veterinária.
- Então?! Estamos em plena consulta, e quer sair?
- Mas não vê que ele está a ter um ataque de diarreia?
- Vamos terminar isto que estamos a fazer, e depois leva-o lá fora. O ataque lancinante de diarreia do Fox terminou tão depressa como tinha começado. De modo que vou anotar a frase "Vamos terminar isto que estamos a fazer, e depois leva-o lá fora", porque mais milagroso que isto só mesmo homeopatia... (E o Óscar de melhor actor vai para o Fox, esse grande artistolas a quem fiquei a dever o meu embaraço mais recente.)

Depois da trovoada de ontem, hoje fez-se um dia lindíssimo. Fomos ao lago, o Fox e eu, e encontrei um pássaro pousado na água, imóvel. Parecia uma pomba. "Então as pombas agora sabem nadar?", pensei eu. "Será um boneco de plástico? Será uma cena da inteligência artificial?"

Olhei melhor: as coisas brancas na água, junto ao pássaro imóvel, não eram pétalas de rosa. Eram penas. Terá acontecido ali uma das muitas tragédias da natureza que todos os dias acontecem naquele lago aparentemente tão plácido e paradisíaco, e a pomba, ou lá o que seria, estava ainda em estado de choque, em estado de luto.

Também vimos uma cadelinha muito mansa, sem coleira nem dono, que andava pela rua tranquilamente, como se fosse uma raposa. Perguntei-me se seria um caso de Rómulo e Remo dos cães, mas pouco depois apareceu um homem de bicicleta a olhar em todas as direcções, e disse-lhe por que rua a cadelinha tinha continuado o seu caminho.

Ainda nem tomei o pequeno-almoço, e já aconteceu isto tudo. Daqui para a frente, por azar, não me vai acontecer mais nada: tenho imenso trabalho para fazer, corro a cortina para deixar o sol lá fora, e tento esquecer que hoje em Berlim é dia de festa das portas abertas na Filarmonia (pode-se acompanhar aqui, online) e dia de festa na rua para comemorar os 75 anos da constituição alemã.

De agora em diante, podem ter pena de mim. Mas só até às 3 da tarde, que é a hora a que vou tomar um cafézinho a casa de amigos, e comer o bolo de limão que ainda tenho de fazer. (Ai! Quase ia esquecendo que ainda tenho de fazer um bolo de limão!)








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