Páginas

19 junho 2019

"nós", o bom povo



Ontem, durante a recepção ao presidente ucraniano, Angela Merkel teve um ataque de tremores no momento em que tocavam o hino nacional alemão. Aguentou estoicamente, pouco depois os tremores pararam e ela continuou a cerimónia como previsto. Mais tarde explicou aos jornalistas que após de ter bebido pelo menos três copos de água tudo voltara ao normal.

Cenas da Alemanha no seu melhor: no filme, vê-se um militar que a observa atentamente, sem contudo parar de cantar o hino, e um segurança que telefona a dar o alerta. Cada um continua a fazer o que é suposto que faça, mas ambos estão prontos a reagir imediatamente se for necessário.
No Spiegel de hoje um médico explicava que em princípio não deve haver motivos para alarme, acrescentando que, de um modo geral, um quadro de desidratação nos dias quentes que temos tido é uma explicação plausível para tremores deste tipo. Mas recusa-se a fazer comentários sobre o estado de saúde da chanceler em concreto, porque "cada pessoa tem o direito de escolher o médico que lhe deve fazer o diagnóstico e propor um tratamento." Se não foi contactado directamente pela chanceler, não lhe cabe pronunciar-se sobre a saúde dela.

Cenas da Alemanha no seu pior: no youtube, os comentários aos vídeos com esta cena são odiosos. Dizem que ela terá uma alergia ao hino nacional, que só o diabo tem frio quando estão 30 graus, que foge do hino nacional como o diabo foge da água benta, que melhora mal o hino termina, que é um orgasmo à maneira da região da RDA onde ela cresceu, que se trata de um sintoma do seu canibalismo, ou um sintoma de abstinência, etc.

Estes comentários fazem-me olhar por outra perspectiva para os deploráveis discursos populistas que fazem aquela famosa distinção entre "eles", os políticos que não querem saber de nós, e "nós", as suas vítimas. Do lado do "bom povo", o tal "nós", também se encontram muitas pessoas que gostam de acusar os políticos de serem incompetentes e corruptos para poderem desculpar os seus próprios arranjinhos, e - como se vê nestas caixas de comentários, por exemplo - gente nada recomendável, que se dá mal em Democracia e tudo faz para envenenar o seu normal funcionamento.

De modo que seria bastante positivo que as pessoas que se dizem democráticas mas gostam de usar o discurso populista fossem mais claras a fazer a distinção entre vários tipos de político (ou acreditam mesmo que "eles" são todos-todos-todos incompetentes e corruptos?) e soubessem reconhecer sem ilusões os inimigos da Democracia que se misturam com o "bom povo" do lado do "nós". 

Isto é particularmente importante por estes dias, em que tudo indica que estamos a passar para um novo nível do ataque à Democracia: há fortes indícios de o assassinato de um político conservador alemão que defendia a causa dos refugiados ter sido perpetrado pela extrema-direita, por motivos políticos. E não é o primeiro caso na Europa - é apenas o mais recente.


1 comentário:


  1. Totalmente de acordo.

    O criticismo negativista (e tantas vezes enraivecido) não soluciona, nem constrói, absolutamente nada...

    ResponderEliminar