Ando há que tempos para contar sobre isto, mas mete-se uma coisa e outra, e antes que se meta o Natal (já falta pouco, aposto com quem quiser) arranjo tempo para anunciar, finalmente, que o número 2 da revista literária Fluir é sobre "O Outro", e que vale bem um passeio pelas suas páginas online.
Tem alguns poemas de empatia pungente da Maria Rosário Pedreira, tem poemas belissimamente ditos por Paula Fonseca, tem contos, tem uma entrevista a uma escritora de biografias literárias. Com este ponto final prematuro acabei de me desgraçar, porque todos os não mencionados vão levar a mal, e nunca mais me falam. Especialmente o Ruy Belo, que também lá anda.
(Ai, e o Afonso Cruz, com quem ainda queria beber uma cervejinha! Adeus, adeus, meus lindos sonhos, não tenho sorte nenhuma.)
E tem um texto meu. Que levei muito tempo a escrever, porque tinha tanto para dizer sobre o tema "o outro" que o problema não era escrever, era não escrever tudo o que queria. Por exemplo: só contei uma anedota. De alentejanos.
Depois de pronto, passei-o aos meus filhos. O Matthias gostou tanto que o meteu no tradutor do google, para partilhar com os amigos alemães, mas ficou decepcionado porque o tradutor automático não apanhou bem as nuances. De modo que os amigos dele leram-me, mas permaneceram muito distantes de mim. E não são os únicos: por estes dias tenho pena de todos os meus amigos alemães que não falam português. Queria falar-lhes do João Gilberto, lembrar músicas, desenhar com calma as suas frases nas nossas conversas. Mas eles não percebem nada, coitados, tão inteiramente outros me são. Nem sequer sabem o que perdem, coitados. E se é assim comigo, imagino o que não será com todos os outros estrangeiros de Berlim. A quantidade de mundos que aqui coexistem sem que as pessoas os possam sequer vislumbrar. Parecemos todos o Ali Babá numa caverna cheia de tesouros, mas com as luzes apagadas.
As luzes apagadas dentro da cabeça.
Gostei muito! Do texto na revista, e deste texto! Ah adorei a imagem final, da caverna cheia de tesouros mas de luzes apagadas. Fez-me lembrar uma passagem no filme die andere heimat, do Edgar Reitz, sobre andar de noite numa aldeia não iluminada (meados século 19) e aprender uma língua..mais logo vou rever essa cena e partilhar aqui!
ResponderEliminarJá não vinha cá há algum tempo, é bom poder ler vários posts seguidos!:) Obrigada!
Já encontrei o excerto do "Die andere Heimat":
ResponderEliminar"Muitas vezes, quando éramos pequenos, o meu irmão Gustavo, mais velho três anos, levava-me pela mão para me guiar à noite pela aldeia.
"Quem não consegue ver, tem que ter o mundo na cabeça", costumava dizer. Ele referia-se às casas, e aos buracos na rua, para não cairmos neles.
Mas, para mim, todo o mundo é como se fosse um lugar escuro que tem que ser iluminado pelas nossas mentes para podermos encontrar o caminho à noite, como os nativos.
Não haverá em todos os lugares pessoas que saibam o caminho? E não podemos pedir que nos guiem, se soubermos a língua deles, e os nomes que chamam às coisas?"