Há tempos li um romance sobre as manipulações na comunidade científica que resultam na entrega do prémio #Nobel
a um investigador em vez de outro. Mas - cabeça de alho chocho! - já
não me lembro do nome do livro, nem do autor, nem sequer do idioma em
que o li.
Tenho muitas reservas em relação ao prémio Nobel. Pode ser dor de cotovelo, claro. Se mo tivessem dado a mim...
(sim: já que a tendência tem sido para reduzir o tamanho das peças literárias, depois do teatro, do jornalismo, do conto e dos poemas musicais, bem podiam pensar em mim como expoente máximo dos blogues, justamente agora que praticamente já só sobra o meu; ou então bem podiam pensar nas crónicas - ao menos as crónicas, caramba! - para dar ao Lobo Antunes; e é para não mencionar a originalidade da nudez atroz e involuntária do arquitecto Saraiva, esse estilo único criado por ele e por ele desenvolvido com enorme sucesso e perseverança.) (Algo me diz que acabei de cometer um terrível erro ao juntar o Lobo Antunes, o pateta do arquitecto e esta vossa servidora na mesma frase, mas o mal está feito. Adeus, mundo cruel, senhor juiz compreenda que foi alguma coisa que me deitaram naquele café.) (E depois: porque não alargar os estilos literários aos contextos contemporâneos? Um dia destes ainda haviam de dar o Nobel da literatura a um autor de tuítes...) (Hoje pareço um kamikaze com mola: a largar-se uma e outra e outra vez sobre o alvo.)
Tenho muitas reservas, dizia. Se já é difícil escolher com justiça (a propósito: o que é isso?) o primeiro prémio em literatura nacional, que dizer de um prémio de alcance mundial? Que sabem os senhores suecos da literatura - sei lá - portuguesa, nigeriana, tailandesa? E como decidir qual foi a conquista da medicina (da química, da física, da economia) mais digna de nota?
No final, fica a ideia de uma espécie de Óscares das Academias, da Literatura e da Paz: um espectáculo para alguns se celebrarem, e para animar as conversas de café.
Em suma: esta semana há circo.
Palminhas!
(Mas este ano podiam dar quase todos os prémios Nobel à Greta. A miúda que em 14 meses conseguiu fazer ouvir a sua voz no mundo inteiro, apelando a que os políticos dêem finalmente ouvidos aos cientistas, a miúda que conseguiu fazer-se ouvir, apesar do poderosíssimo lobby dos que querem transformar factos científicos em matéria de opinião: merece todos os Nobel da Ciência. E depois, dêem-lhe também o da Paz. Dêem-lhe o Nobel da Paz todos os anos da próxima década: porque, ao alertar as gerações mais novas para a catástrofe em curso, conseguiu levar este tema para o centro das famílias, criando em muitas uma predisposição para a renúncia voluntária em nome do futuro dos seus filhos, que é fundamental para reduzir as agitações sociais que a luta contra o aquecimento climático pode provocar.)
(Sobra o da Literatura. Se teimarem em não o dar ao Lobo Antunes, olha, dêem-mo a mim. Que não é qualquer um que consegue juntar tantos parêntesis num texto só, para mais escondendo neles o mais importante do que tem a dizer. Que me dizem deste estilo fusion, onde dadaísmo e falsa modéstia se cruzam, heinhe? Sou tão século 21 que já quase se podia dizer 22.)
(Se calhar acabava aqui este post, apesar de a veia do disparate estar a jorrar copiosamente.) (Ou talvez por isso mesmo)
Tenho muitas reservas em relação ao prémio Nobel. Pode ser dor de cotovelo, claro. Se mo tivessem dado a mim...
(sim: já que a tendência tem sido para reduzir o tamanho das peças literárias, depois do teatro, do jornalismo, do conto e dos poemas musicais, bem podiam pensar em mim como expoente máximo dos blogues, justamente agora que praticamente já só sobra o meu; ou então bem podiam pensar nas crónicas - ao menos as crónicas, caramba! - para dar ao Lobo Antunes; e é para não mencionar a originalidade da nudez atroz e involuntária do arquitecto Saraiva, esse estilo único criado por ele e por ele desenvolvido com enorme sucesso e perseverança.) (Algo me diz que acabei de cometer um terrível erro ao juntar o Lobo Antunes, o pateta do arquitecto e esta vossa servidora na mesma frase, mas o mal está feito. Adeus, mundo cruel, senhor juiz compreenda que foi alguma coisa que me deitaram naquele café.) (E depois: porque não alargar os estilos literários aos contextos contemporâneos? Um dia destes ainda haviam de dar o Nobel da literatura a um autor de tuítes...) (Hoje pareço um kamikaze com mola: a largar-se uma e outra e outra vez sobre o alvo.)
Tenho muitas reservas, dizia. Se já é difícil escolher com justiça (a propósito: o que é isso?) o primeiro prémio em literatura nacional, que dizer de um prémio de alcance mundial? Que sabem os senhores suecos da literatura - sei lá - portuguesa, nigeriana, tailandesa? E como decidir qual foi a conquista da medicina (da química, da física, da economia) mais digna de nota?
No final, fica a ideia de uma espécie de Óscares das Academias, da Literatura e da Paz: um espectáculo para alguns se celebrarem, e para animar as conversas de café.
Em suma: esta semana há circo.
Palminhas!
(Mas este ano podiam dar quase todos os prémios Nobel à Greta. A miúda que em 14 meses conseguiu fazer ouvir a sua voz no mundo inteiro, apelando a que os políticos dêem finalmente ouvidos aos cientistas, a miúda que conseguiu fazer-se ouvir, apesar do poderosíssimo lobby dos que querem transformar factos científicos em matéria de opinião: merece todos os Nobel da Ciência. E depois, dêem-lhe também o da Paz. Dêem-lhe o Nobel da Paz todos os anos da próxima década: porque, ao alertar as gerações mais novas para a catástrofe em curso, conseguiu levar este tema para o centro das famílias, criando em muitas uma predisposição para a renúncia voluntária em nome do futuro dos seus filhos, que é fundamental para reduzir as agitações sociais que a luta contra o aquecimento climático pode provocar.)
(Sobra o da Literatura. Se teimarem em não o dar ao Lobo Antunes, olha, dêem-mo a mim. Que não é qualquer um que consegue juntar tantos parêntesis num texto só, para mais escondendo neles o mais importante do que tem a dizer. Que me dizem deste estilo fusion, onde dadaísmo e falsa modéstia se cruzam, heinhe? Sou tão século 21 que já quase se podia dizer 22.)
(Se calhar acabava aqui este post, apesar de a veia do disparate estar a jorrar copiosamente.) (Ou talvez por isso mesmo)
Ler uma postagem destas logo de manhã é para ficarmos bem dispostas para o dia inteiro... quase melhor que a minha sessão matinal de meditação. : ))
ResponderEliminarNa minha “great and unmatched wisdom” nunca aconselharia a Academia a atribuir um prémio à/ao mais prolífero/a no Twitter ... Deus nos valha!!
Já eu tinha começado a visitar o seu blog (nem sei há quantos anos), quando o Carlos Barbosa de Oliveira mencionou (talvez há dois ou três anos) o seu blog como um dos que se deve ler. : ))
Lembro-me perfeitamente de uma postagem que a Helena republicou (provavelmente a pedido de muitas famílias) sobre o vernáculo usado pela sua empregada numa conversa, creio que consigo.
O que me ri na altura!!
Se me lembrasse do título dessa postagem até a iria procurar! : )
Uma pessoa a escrever tão esforçadinha um post cheio de parêntesis sérios, e o pessoal ri-se!
ResponderEliminarÉ muito triste ser um génio incompreendido. ;)
Ora bem, que nada falte a quem faz parte dessa espécia em vias de extinção que são s leitores de blogues. O texto é este:
palavrões de sobra
ResponderEliminarComo é fim-de-semana, não há sol, não li o texto do MST e não me apetece falar sobre o caso das alunas do liceu de Gaia, e ainda por cima estou com um ataque de nostalgia, resolvo dar um gosto ao Mr.Hide que há em mim e contar que vivi quase 20 anos no Porto, onde tive oportunidade de aprender alguns dos muitos registos da ordinarice.
(Atenção: Ainda vão a tempo de parar por aqui!)
É todo um universo de alegorias e coloridos, uma espécie de dialecto bem-disposto, que permite sínteses formidáveis
(como a do professor da faculdade de arquitectura do Porto que manda os alunos desenharem “com os tomates em cima do estirador”)
insultos divertidos
(como a miúda da Ribeira, gritando ao rapazinho que se afasta amuado: “Olha, vai pela sombra! Ouviste? Vai pela sombra, que a merda ao sol seca!”)
e até novos recursos para a luta de classes
(como esta cena a que assisti no Bolhão:
Cliente (uma senhora fina): A como são as rosas?
Vendedora: A 100 escudos.
Cliente: A dúzia?
Vendedora (muito alto, muito escandalizada): A dúzia?! A dúzia de rosas a 100 escudos?! A mulher está mas é maluca! Deve ser tarada sexual!!!)
O Porto é uma nação, já se sabe, mas eu fiz a pós-graduação do dialecto aos fins-de-semana, quando ia para a casa da avó, numa aldeia minhota.
ResponderEliminarÉ um mundo curioso, onde palavras como estrume ou porco são consideradas grosseiras, enquanto que aquelas que o resto do país considera palavrão são usadas com toda a naturalidade.
Foi lá que ouvi delícias do género: “fui buscar um carro de, com licença, estrume, mas a puta da roda partiu-se, a porra da carga espalhou-se na estrada e eu fodi-me todo.”
A minha avó tinha uma empregada, a Ana, uma mulher muito bonita e de uma alegria contagiante, que pontuava as frases com palavrões espantosos – acho que até as vacas que ela mungia (“Chiça, hoje tens leite como um caralho!”) coravam e ruminavam um muuuuh de desaprovação.
A vizinhança murmurava (“Ela até à frente da patroa fala assim!”), mas os meus irmãos e eu gostávamos imenso de andar de volta dela a aprender para a vida.
A Ana casou, e alguns anos depois fui visitá-la. Continuava bem-disposta e expansiva. Mostrou-me o filho, de ano e meio, gabou-o: “este rapaz é que é fino, fosca-se, olhe-me só para isto”, virou-se para ele, aos berros: “ó meu filho da puta, se te apanho fodo-te os cornos!” e ele desatou a fugir com as perninhas muito rápidas, soltando gritos alegres
e ela corria atrás dele, insultava-o, ameaçava-o e depois virou-se para mim: “Está a ver como o raio do rapaz é esperto? Fino como um caralho!”
Do fundo do corredor, o rapazito olhava para ela com os olhos muito brilhantes, ria-se, pedia mais.
A quem estiver interessado em conhecer este vernáculo, recomendo o camião da feira.
Espero que ainda exista: é um camião de carga onde, às quintas-feiras, instalam bancos precários sob a armação de lona, para levar pessoas para a feira de Barcelos. À ida, não há problema. As pessoas repartem-se pelas várias carreiras, vão ainda sonolentas, talvez a fazer contas de cabeça ao que querem comprar. À volta, é um sarilho: querem regressar todos no mesmo camião, atafulham o compartimento com dornas, masseiras, arados, ancinhos, sacos de milho, galinhas e leitões vivos, ajeitam-se como podem pelo espaço que sobra. Vêm bem-dispostos, comparam preços, contam anedotas e histórias das respectivas terras.
Foi num desses camiões que aprendi o meu chorrilho de antologia.
Vínhamos de regresso, todos eles muito faladores e eu muito calada a saborear aquela algazarra alegre, quando o camião parou para deixar sair uma passageira. Foi uma confusão, porque ela estava no fundo do compartimento e não tinha praticamente espaço nenhum para passar, mas com jeitinho e a ajuda de todos lá conseguiu passar sem estragar as mercadorias alheias, lá conseguiu descer do camião, juntar as suas compras, “e olhe aqui este saco, não se esqueça de o levar”, “ah, muito obrigada, querem lá ver que me esquecia mesmo”. Foi-se embora, o camião arrancou, e quando já íamos na aldeia seguinte uma mulher solta um grito:
“Ai! O caralho foda a merda, que a puta da mulher levou as minhas sardinhas!!!”
Esta postagem é mesmo uma pérola, Helena!!
ResponderEliminarObrigada por me facilitar a pesquisa.
: ))