Os meus sogros casaram no princípio dos anos sessenta, e o primeiro carro que tiveram foi um #Volkswagen
que, bem vistas as coisas, começou a ser comprado pelos pais de um
deles em finais dos anos trinta. Aliás, a ideia já vinha de 1934, quando
Hitler disse que era preciso criar um “carro do povo”, um “Volkswagen”. O que há num nome: sempre que dizemos “Volkswagen”, estamos a usar uma palavra muito cara ao regime nazi.
Era importante para o regime manter o povo em estado de boa disposição e confiança no futuro, alegre e contente. Uma medida estratégica para aumentar o grau de entusiasmo pelo regime era criar a possibilidade de as famílias comprarem um carro a preço relativamente acessível, e que conseguisse ir aos 100 km/h nas auto-estradas que começavam a atravessar todo o país. Ferdinand Porsche foi encarregado de preparar um protótipo.
A ideia de fazer um “carro do povo” já tinha ocorrido antes à indústria automóvel alemã, mas os custos de produção tornavam o projecto irrealista. Ora, o regime nazi interessava-se pouco pelos factos. Se Hitler queria, a obra fazia-se. Para isso, encarregaram a organização KdF ("Kraft durch Freude", "força pela alegria" - um dia hei-de investigar os paralelos entre esta "Força pela Alegria" e a FNAT portuguesa) de criar um carro para o povo, a que na altura deram o nome de “carro-KdF”.
E foi assim que em finais dos anos 30 os avós do meu marido fizeram um contrato com a KdF, pelo qual todas as semanas depositavam pelo menos 5 marcos numa conta-poupança especial; quando a poupança atingisse os 750 marcos o nome deles seria inscrito numa lista de espera para receberem o carro.
A fábrica dos carros_KdF começou a ser construída a 26 de Maio de 1938, e pouco depois, a 1 de Julho, deram início à construção da cidade para albergar os operários e as suas famílias, à qual chamaram "cidade do carro-KdF perto de Fallersleben". A guerra começou um ano depois, e as instalações fabris foram usadas para produzir não os carros-KdF, mas outros veículos mais úteis na guerra (os meus sogros dizem que não apenas as instalações foram desviadas para a guerra, mas também o dinheiro poupado).
Em 1945, os títulos de aforro para comprar este carro foram anulados. Em 1948 foi criada uma associação de antigos aforradores do carro-KdF, que agora se chamava “Volkswagen”, com o fim de reaver as poupanças. As hipóteses de sucesso eram muito reduzidas, uma vez que a produtora de automóveis nunca chegou a receber esse capital, porque as poupanças tinham sido depositadas no Banco do Trabalho, que entretanto fora extinto pela administração militar soviética. Apesar de tudo, os esforços da associação tiveram algum sucesso: a Volkswagen fez um acordo com os seus vendedores para estes não cobrarem a percentagem do stand aos compradores que fossem detentores dos títulos de poupança da KdF, o que significava um desconto de cerca de 15%. Os avós do meu marido passaram os seus direitos ao jovem casal, e foi assim que os meus sogros conseguiram comprar o seu carocha (melhor dizendo: o seu primeiro – e único – carro inspirado num design de Porsche). Eles, e mais 63.408 compradores, dos 325.444 aforradores registados em 1942.
No fim da guerra, a cidade que nascera em finais dos anos 30 à volta da empresa “Carro do Povo” trocou o nome: de “cidade do carro-KdF perto de Fallersleben” para “Burgo do Lobo” (Wolfsburg). Ora, “lobo” era um nome que Hitler gostava de dar a si mesmo. Muitos dirão que ali havia um burgo chamado Wolfsburg desde a Idade Média, e é verdade. Mas: ou em finais da guerra não havia tempo nem energia nem cabeça para pensar no embaraço dessa confusão, ou então talvez tenha ocorrido a alguém essa possibilidade, e talvez o antigo nome tenha sido recuperado justamente por alguém ter reconhecido o seu enorme potencial.
Era importante para o regime manter o povo em estado de boa disposição e confiança no futuro, alegre e contente. Uma medida estratégica para aumentar o grau de entusiasmo pelo regime era criar a possibilidade de as famílias comprarem um carro a preço relativamente acessível, e que conseguisse ir aos 100 km/h nas auto-estradas que começavam a atravessar todo o país. Ferdinand Porsche foi encarregado de preparar um protótipo.
A ideia de fazer um “carro do povo” já tinha ocorrido antes à indústria automóvel alemã, mas os custos de produção tornavam o projecto irrealista. Ora, o regime nazi interessava-se pouco pelos factos. Se Hitler queria, a obra fazia-se. Para isso, encarregaram a organização KdF ("Kraft durch Freude", "força pela alegria" - um dia hei-de investigar os paralelos entre esta "Força pela Alegria" e a FNAT portuguesa) de criar um carro para o povo, a que na altura deram o nome de “carro-KdF”.
E foi assim que em finais dos anos 30 os avós do meu marido fizeram um contrato com a KdF, pelo qual todas as semanas depositavam pelo menos 5 marcos numa conta-poupança especial; quando a poupança atingisse os 750 marcos o nome deles seria inscrito numa lista de espera para receberem o carro.
A fábrica dos carros_KdF começou a ser construída a 26 de Maio de 1938, e pouco depois, a 1 de Julho, deram início à construção da cidade para albergar os operários e as suas famílias, à qual chamaram "cidade do carro-KdF perto de Fallersleben". A guerra começou um ano depois, e as instalações fabris foram usadas para produzir não os carros-KdF, mas outros veículos mais úteis na guerra (os meus sogros dizem que não apenas as instalações foram desviadas para a guerra, mas também o dinheiro poupado).
Em 1945, os títulos de aforro para comprar este carro foram anulados. Em 1948 foi criada uma associação de antigos aforradores do carro-KdF, que agora se chamava “Volkswagen”, com o fim de reaver as poupanças. As hipóteses de sucesso eram muito reduzidas, uma vez que a produtora de automóveis nunca chegou a receber esse capital, porque as poupanças tinham sido depositadas no Banco do Trabalho, que entretanto fora extinto pela administração militar soviética. Apesar de tudo, os esforços da associação tiveram algum sucesso: a Volkswagen fez um acordo com os seus vendedores para estes não cobrarem a percentagem do stand aos compradores que fossem detentores dos títulos de poupança da KdF, o que significava um desconto de cerca de 15%. Os avós do meu marido passaram os seus direitos ao jovem casal, e foi assim que os meus sogros conseguiram comprar o seu carocha (melhor dizendo: o seu primeiro – e único – carro inspirado num design de Porsche). Eles, e mais 63.408 compradores, dos 325.444 aforradores registados em 1942.
No fim da guerra, a cidade que nascera em finais dos anos 30 à volta da empresa “Carro do Povo” trocou o nome: de “cidade do carro-KdF perto de Fallersleben” para “Burgo do Lobo” (Wolfsburg). Ora, “lobo” era um nome que Hitler gostava de dar a si mesmo. Muitos dirão que ali havia um burgo chamado Wolfsburg desde a Idade Média, e é verdade. Mas: ou em finais da guerra não havia tempo nem energia nem cabeça para pensar no embaraço dessa confusão, ou então talvez tenha ocorrido a alguém essa possibilidade, e talvez o antigo nome tenha sido recuperado justamente por alguém ter reconhecido o seu enorme potencial.
Um texto muito informativo que gostei imenso de ler.
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