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A propósito do debate sobre a criação de um Museu Salazar em Santa Comba Dão tenho pensado numa frase que se ouvia muito na Alemanha de Hitler a vítimas de algozes nazis de baixa patente: "Se o Führer soubesse o que eles me fizeram, ai!, recebiam um castigo exemplar!"
Penso também num comentário do meu filho, há uns anos: "Então o vosso ditador morreu em 1970, mas a ditadura continuou mais quatro anos?! Que incompetência!"
Em Portugal, curiosamente, consegue-se separar Salazar da sua ditadura.
Muitos portugueses acreditam que Salazar era boa pessoa e um grande estadista, e o regime é que era mau (ou: "enfim... o regime tinha lá as suas coisas..."). Esta incapacidade generalizada de associar o ditador à ditadura, e também - em menor escala - a incapacidade de tantos de ter uma posição clara de rejeição do fascismo português, revela-se em muitas das posições que tenho lido a favor da criação de um Museu Salazar: "que foi um grande Homem", dizem uns, com maiúscula e tudo, "que se eles têm direito aos seus museus da resistência antifascista, nós também temos direito ao nosso Museu Salazar", acrescentam outros, "que não se pode ignorar a História", rematam.
De que falarão eles quando dizem "História"?
A nível internacional há consenso sobre Salazar (era o ditador à frente do fascismo português), mas em Portugal muitas pessoas permanecem numa relação subjectiva, emocional e pouco informada sobre o ditador. Muitos continuam convencidos que foi o melhor estadista de Portugal e deram-lhe o primeiro lugar no concurso "Os Grandes Portugueses" (com 41% dos votos, à frente de, por exemplo, D. Afonso Henriques e Vasco da Gama!).
Aparentemente, quase meio século depois da morte do ditador, muitos portugueses continuam a ignorar a História.
A Câmara de Santa Comba Dão quer agora fazer um Museu Salazar (ao qual chama habilmente "Centro Interpretativo do Estado Novo"). Afirma que "de modo algum se pretende contribuir para a sacramentalização ou diabolização da figura do estadista. Pretende-se, apenas e só, fazer um levantamento científico e histórico de um regime político, enquanto acontecimento factual".
Acontece que o concelho se identifica muito com o seu lugar de berço do "grande estadista" e retira ganhos materiais e simbólicos do apego à imagem adocicada de um Salazar-paizinho-da-pátria, humilde e austero. Ou seja, e para usar a expressão do comunicado camarário, no concelho pratica-se abertamente a "sacralização" do ditador, como mostram as referências ao "ilustre filho da terra", a exibição junto à sua campa de lápides elogiosas e branqueadoras (excelente cenário para homenagens com fins mediáticos de promoção da extrema-direita - vejam-se as fotos no fim do post), o nome dele na avenida onde querem instalar o museu, e a publicidade de produtos da região que jogam com as emoções positivas que muitos associam a Salazar.
Perante tal situação, a proposta da Câmara de "apenas e só, fazer um levantamento científico e histórico de um regime político, enquanto acontecimento factual" exige a coragem de destruir o mito para analisar o personagem histórico, correndo o sério risco de escandalizar muitos dos locais e de perder o turismo saudosista de uns e de oportunismo político de outros.
No entanto, aquele "apenas e só" que precede a declaração de intenções mostra que a Câmara não se deu conta do alcance do desafio - e pergunto-me em que termos terão decorrido as conversações com o grupo de universitários escolhidos para assessorar o projecto. Além disso, o facto de o comunicado nomear em primeiro lugar António Rochette (Geografia e Turismo) e só depois os historiadores Paulo Avelãs Nunes e Reis Torgal não augura nada de bom sobre as motivações da Câmara e a sua consciencialização sobre os riscos do projecto.
Pelo que, antes de mais, o país deve exigir a esta Câmara uma definição muito clara da sua posição: quer criar um museu para atrair turismo, explorando a incapacidade dos portugueses de ligar o ditador à sua ditadura? Ou quer criar um centro museológico que una finalmente o ditador à ditadura, pondo a nu o papel centralíssimo de Salazar no seu regime fascista - mesmo que essa decisão ofenda os sentimentos da população local e cerceie os rendimentos resultantes do actual turismo saudosista e de extrema-direita? Quer ganhar dinheiro com barraquinhas de souvenirs do ditador? Ou quer fazer um centro museológico sério que, em nome da coerência, obrigará a autarquia a mudar o nome da rua (sugiro: Avenida das Vítimas do Estado Novo) e a tirar as lápides branqueadoras do cemitério?
Enquanto a autarquia não tiver a coragem de se pronunciar sobre esta questão, tudo o resto que diga sobre o tema não será nem sério nem credível. E nós - o país que acredita na Democracia e nos valores básicos associados à defesa da dignidade humana - temos o dever de permanecer vigilantes e impedir que se instale em Santa Comba Dão um centro de branqueamento e romaria do fascismo português.
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O comentário do Mathias é o máximo‼
ResponderEliminarRealmente, que incompetência absoluta‼‼
Certíssimo, Helena.
ResponderEliminarO maior problema não é um "museu" dedicado a enaltecer Salazar, a coberto duma suposta divulgação da «História Pátria».
O maior problema mesmo é não se ter ainda conseguido mostrar Salazar, desde os bancos da Escola, como aquilo que ele efetivamente foi: o férreo impulsionador de uma Ditadura, dita "mole" e alegadamente Cristã, mas interminável, qual doença crónica e muito grave, mas não mortal, sendo sempre apenas realçados os únicos aspectos em que o nosso "brando" Ditador terá tido um papel positivo na História de Portugal, em especial o equilíbrio das contas públicas, nos inícios do Estado Novo, e a opção pela neutralidade, durante a 2ª Guerra Mundial - feitos sem dúvida relevantes, mas limitados a determinados períodos muito concretos e que não podem nunca ofuscar o seu papel essencial no Séc. XX português, nomeadamente:
1) na interrupção da modernização geral do País levada a cabo com grande sucesso pela 1ª República (apesar da constante sabotagem violenta por parte da contra-revolução monárquica);
2) no apoio declarado ao insurrecto Franco e no consequente seguidismo acrítico face ao Fascismo e ao Nazismo, em especial na colaboração em alguns dos aspectos do Holocausto dos Judeus europeus;
3) na incapacidade de encetar uma Descolonização tempestiva na Índia e na África, a par das que foram conduzidas pelas outras Potências coloniais europeias, que tivesse podido evitar a tragédia das guerras de libertação;
4) no bloqueio económico duradouro que originou em Portugal, ao rejeitar o Plano Marshal, impelindo a população a uma Emigração maciça durante décadas consecutivas, e
5) no prolongamento "ad nauseam" de um Regime anacrónico, que se poderia ainda considerar, com alguma benevolência, minimamente actualizado e compreensível até 1945, mas que ficou como que "fora do Tempo" logo a partir da adesão de Portugal à OTAN, Organização na qual Portugal teve a "honra" de ser, durtante décadas, o único País com um regime não democrático.
Se o tal Museu de Santa Comba tiver cinco módulos que desenvolvam historicamente com seriedade estes cinco temas, então, sim, eu quero ir visitá-lo. De preferência, com os meus Filhos, os quais gostaria contudo que já lá tivessem ido ainda antes de mim, com todas as Turmas da sua Escola. Isso, sim...