15 abril 2022

"O" (2)

 

Na minha zona do Minho, quando morria alguém e o velório era feito em casa, deixava-se a janela aberta durante a noite para a alma poder ir a Santiago de Compostela, caso não o tivesse podido fazer em vida.
(Por acaso, agora que escrevo isto, pergunto-me se não deixariam a janela aberta para arejar um bocado, e se esta explicação não terá sido algo que inventaram para me responder. A minha mãe era muito assim, a paisagem da nossa infância tinha mouras encantadas por baixo de cada pedra que nos parecesse mais especial. Dá uma infância mágica, mas o problema é chegar a adulto sem ter tido oportunidade de filtrar todas as informações.)
Mas pronto, vamos assumir que este é um costume do Minho.
O que eu queria dizer é que, depois de ter escrito o post anterior, sobre o "O" do Cirque du Soleil, fiquei a pensar se no dia em que eu morrer alguém fará o favor de deixar uma janela aberta para a minha alma ir ver o O a Las Vegas e voltar a tempo do funeral.
E vocês: também precisam que vos deixem uma janela aberta? Qual é o vosso "O"?
E nós todos: se é tão importante, porque não nos pomos hoje a caminho, com o corpinho inteiro?
(E eis como me dou conta de que já não estou a falar do O de Las Vegas, mas do Ómega no horizonte.)

2 comentários:

Fernando Cordeiro disse...

Depois de morto, não há porta nem janela que me sustenha.

Carla disse...

O meu “O” será talvez observar uma aurora boreal. Mas depois lembro-me de, com 16 anos, estar no topo de uma montanha no Gerês e de me sentir livre e ao mesmo tempo absolutamente consciente da minha pequenez, no todo que é o universo. E assim, realizo que o meu “O”, mais do que um lugar é um estado que vem de dentro para fora. E desta forma todos os dias tento pôr-me a caminho, realizando a minha pequenez e a minha liberdade.