28 abril 2022

e o Iémen...

 


Esta semana, depois do ensaio da cantoria (se querem saber tudo: o Libera Me, do Requiem de Fauré, sublime), dei comigo sentada num restaurante ao lado da colega de coro que há seis semanas recebeu duas irmãs ucranianas que eu encontrara na estação central de Berlim. Disse que têm andado de casa em casa, ficando instaladas nos apartamentos de amigos dela que vão de férias, e que era melhor irem viver numa localidade bem mais pequena que Berlim, porque esta cidade é demasiado complicada para quem nem sabia usar um smartphone. Têm sido muitas horas dedicadas a ajudá-las com tudo o que é necessário (registo, conta bancária, smartphone, traduções automáticas que dão azo a inúmeros mal-entendidos, etc.). Quando as tirei da estação central, sabia perfeitamente: comparado com o trabalho das famílias de acolhimento, o que eu fiz era menos que zero.

A minha amiga falou depois de um refugiado sírio pelo qual ela se responsabilizou em 2015. Era um dos muitos milhares de menores não acompanhados que chegaram à Alemanha nessa altura. Muitos deles ficavam alojados em hotéis transformados à pressa em internatos, mas era preciso que cada um dos menores tivesse na Alemanha um adulto que o acompanhasse e resolvesse as questões burocráticas.

O miúdo conseguiu aprender alemão, fazer o exame de liceu (Abi, Gymnasium: o mais exigente) com boas notas, e está agora a estudar Tecnologias Médicas. Esperto, o rapaz: tira um curso que lhe garante emprego no mundo inteiro. Há tempos conseguiu encontrar-se com a família - seis anos depois de ter partido para uma Europa incerta. Os pais tinham entretanto fugido para a Arábia Saudita, os irmãos foram para outros países. A covid impediu viagens e manteve os familiares dispersos sujeitos às regras particulares de cada país. A única solução que encontraram foi um encontro em Meca. Uma solução caríssima. O miúdo pagou tudo. Paralelamente com o estudo do alemão e as aulas do liceu, e agora do curso superior, trabalhou como estafeta de bicicleta e poupou com desespero para ajudar a família.

A minha amiga comentava com lágrimas nos olhos o filme que recebeu de Meca, do reencontro da família, e que só por sorte é que a mãe do rapaz não morreu ali mesmo de alegria e comoção.

E depois, tristíssima:

- Tantas guerras no mundo, tantos refugiados, tanto sofrimento! No Iémen, por exemplo, também há uma guerra horrorosa.

Estremeci. Desde que Putin invadiu a Ucrânia, em 24 de Fevereiro, foi a primeira vez que ouvi uma referência ao Iémen com genuíno sentimento de tristeza, em vez da arma de arremesso em que se tornou: "Ah, mas do Iémen não falam vocês, seus hipócritas!"

O Iémen (nas discussões sobre a invasão da Ucrânia) tal como os sem-abrigo (na recusa de ajudar os refugiados estrangeiros): poucos os ajudam, mas lembram-se muito deles quando dão jeito como ferramenta de retórica.


1 comentário:

Jô Turquezza disse...

Tão triste tudo isso. Famílias dilaceradas.
Quando teremos paz?
blogjoturquezzamundial
Beijos.