01 junho 2021

dia da criança


"Vocês dizem: É cansativo lidar com crianças.
Não há dúvida que têm razão.
Depois acrescentam:
Porque temos de nos pôr ao nível delas.
Porque temos de nos baixar, inclinar,
Curvar, tornar pequenos.
Mas aí, estão enganados.
O que mais cansa não é isso.
O que mais cansa é sermos obrigados
a elevarmo-nos até à altura dos seus sentimentos.
A esticarmo-nos, alongarmo-nos,
a ficar em bicos de pés
Para não as magoarmos."
(Janusz Korczak) Janusz Korczak, nasceu em Varsóvia em Julho de 1878 ou 1879 com o nome Henryk Goldszmit, e foi assassinado em Treblinka, em Agosto de 1942. Pertencia a uma família com raízes judaicas, mas assimilada. Foi médico, pediatra, pedagogo, escritor (sob o pseudónimo Janusz Korczak, pelo qual passou a ser conhecido), publicista, activista social, oficial do Exército Polaco. Korczak é considerado um dos pioneiros da corrente pedagógica actualmente designada como “educação moral”. Inspirou-se na pedagogia de John Dewey, de Decroly, Montessori ou de pedagogos anteriores, tais como Pestalozzi, Spencer e e Fröbel. A sua obra teria influência, 30 anos depois, na elaboração da Declaração dos Direitos da Criança.

Da Wikipedia: "Os elementos mais importantes da concepção de Korczak sobre a educação são os seguintes: - a rejeição da violência (física e verbal), resultante da vantagem de ser mais velho ou do desempenho de uma função superior; - a ideia de uma interacção educativa entre adultos e crianças, que alargava a definição da pedagogia clássica; - a convicção de que a criança é um ser humano do mesmo modo que um adulto; - o princípio de que o processo educativo deveria levar em consideração a individualidade de cada criança; - a crença de que a criança, melhor do que ninguém, sabe das suas necessidades, aspirações e emoções e, logo, deveria ter direito a emitir a sua opinião e a ser ouvida pelos adultos; - o reconhecimento de que a criança tem direito ao respeito, à ignorância e ao fracasso, à privacidade, bem como às suas próprias opiniões e propriedade; - o reconhecimento de que o processo de desenvolvimento de uma criança é um trabalho difícil."

Em 1912 trocou a sua carreira de médico pela de responsável por um orfanato de crianças judias, onde permaneceu durante trinta anos, com uma interrupção para servir na Primeira Guerra Mundial. Quando os nazis impuseram que o orfanato fosse levado para o gueto de Varsóvia, Janusz Korczak acompanhou as crianças. E quando estas foram enviadas para um campo da morte, ele fez questão de ir com elas, apesar de haver todo o interesse em poupar a vida ao famosíssimo escritor premiado e ao pedagogo condecorado.

O compositor e pianista Władysław Szpilman (que conhecemos do filme "O Pianista", de Polanski) assistiu à deportação das crianças e descreve a cena nas suas memórias:
"Um dia, por volta de 5 de Agosto [...] testemunhei por acaso a partida de Janusz Korczak e dos seus órfãos do gueto. A "evacuação" do orfanato judeu, do qual Janusz Korczak era o director, tinha sido ordenada para aquela manhã. Havia ordens para poupar a vida dele, e só com dificuldade conseguiu que os alemães lhe permitissem acompanhar as crianças. Ele tinha passado longos anos da sua vida com os órfãos, e mesmo agora, na última viagem destes, não os podia deixar sozinhos. Queria aliviar-lhes o sofrimento. Iriam para o campo, o que era motivo de alegria, explicou aos órfãos. Finalmente podiam trocar as paredes horríveis e abafadas por prados onde cresciam flores, por riachos onde podiam banhar-se, por florestas onde havia tantos frutos e cogumelos. Ordenou-lhes que se vestissem o melhor possível, e foi assim, bem arranjados e de bom humor, que entraram no pátio aos pares. Como bom alemão, o homem das SS responsável pelo grupo gostava de crianças, mesmo daquelas que em breve enviaria para o além. Simpatizou especialmente com um rapaz de doze anos, um violinista, que levava o seu instrumento debaixo do braço. Ordenou-lhe que se pusesse a tocar à frente da coluna das crianças - e assim partiram. Quando os vi a passar na rua, as crianças, radiantes, cantavam em coro, o pequeno músico tocava para elas, e Korczak levava ao colo dois dos mais pequenos, que também sorriam, e dizia-lhes algo engraçado. Imagino que o 'Velho Doutor', já na câmara de gás, quando o Zyklon começou a sufocar as gargantas infantis e no coração dos órfãos a alegria e a esperança deram lugar ao medo, terá sussurrado com um último esforço: 'Nada, isso não é nada, crianças', para pelo menos poupar aos seus pequenos protegidos o horror da passagem da vida para a morte."

Outros relatos da mesma cena não a descrevem de forma tão positiva. Mas uma coisa é certa: Janusz Korczak acompanhou voluntariamente até à morte aquelas crianças que só o tinham a ele.

"O que mais cansa é sermos obrigados
a elevarmo-nos até à altura dos seus sentimentos."


2 comentários:

Lucy disse...

Que memória tão impressionante

Manuela disse...

Tao certeiro a forma como descreve as crianças.
Não é difícil lidar com as crianças, difícil é recordar que já fomos uma e aquilo que sentíamos. Se todos se lembrassem e não tivessem memória curta seria bem melhor, porque ao contrário do que se diz a vida de muitas (demasiadas) não é boa nem fácil muito pelo contrário.