27 maio 2021

"Africa Day" (2)



A propósito do "African Liberation Day" alguém publicou na Enciclopédia Ilustrada um post sobre o período entre o 25 de Abril e a declaração de independência de Angola, quando vários cantores populares dedicam o seu talento à exaltação do MPLA e do seu ideário político de libertação de Angola, como é o caso da canção "Poder Popular".

De algum canto escuro do grupo veio esta reacção: "deviam dedicar o dia ao PCP e à União Soviética! Assim como tudo o que se passou a seguir..."

Apesar de ser recorrente, é uma reacção que continua a surpreender-me. Como fazem as pessoas para conseguir endeusar Salazar e atribuir ao PCP a responsabilidade pelas consequências dos erros do ditador? Pensarão porventura que Portugal tinha alguma hipótese de ganhar as guerras coloniais?
Se Salazar fosse inteligente, tivesse alguma visão político-estratégica e um mínimo de princípios cristãos, teria sido capaz de perceber que Portugal não podia continuar a explorar e humilhar os povos africanos como tinha feito até então, e dar-se ia conta da urgência de caminhar em conjunto com os representantes daqueles para uma solução de independência organizada e sustentável, em vez de deixar a situação descambar como descambou para guerras abertas geridas e financiadas pelos principais actores da Guerra Fria. No início dos anos 60 Salazar tinha obrigação de saber que a União Soviética, os EUA e a China estavam muito interessados em capitalizar a seu favor os movimentos de libertação das colónias - mas em vez de ler os sinais e reagir adequadamente, decidiu enviar os desgraçados dos soldados portugueses (mal preparados e com péssimo equipamento militar) como carne para o canhão de uma guerra que só poderiam perder, porque de facto estavam a lutar contra várias potências mundiais.

E assim se desperdiçou mais de uma década que teria sido fundamental para criar nas colónias as condições que permitissem a independência desses povos sem os sujeitar à tragédia das guerras civis alimentadas pelas potências mundiais sedentas de alargar os seus domínios.

Deitar as culpas de toda a tragédia que se seguiu à independência para os políticos que entraram para a linha da frente a partir do 25 de Abril de 1974 é uma opção simplista, que esquece a enorme responsabilidade de Salazar neste desfecho dramático.

2 comentários:

jj.amarante disse...

A responsabilidade pela descolonização apressada das ex-colónias de Portugal cabe ao Salazar e seu regime, com a herança que deixaram era praticamente impossível descolonizar melhor. Agora a expressão "carne para canhão" é bastante excessiva, esse foi o destino dos soldados portugueses (e outros) na guerra de 1914-18. Brincando com coisas sérias seria mais apropriado dizer "carne para kalashnikov ou para minas".

Helena Araújo disse...

Não era literal, claro. A ideia é a de vidas usadas em vão, uma vez que o objectivo de manter o domínio das colónias (apesar de lhe dar outro nome) estava perdido logo desde o início.