18 fevereiro 2021

"um crime contra as crianças e os jovens"

Esta manhã, a newsletter do Spiegel fazia acusações muito duras ao governo alemão sobre o modo como estão a descurar os interesses das crianças e dos jovens durante a pandemia. Vinha a propósito da entrevista a Heinz-Elmar Tenorth, especialista em História da Educação, na qual ele afirmava que estamos a assistir a um processo de regressão social que nos leva de volta ao início do século XIX: a origem social dos alunos tem de novo um papel determinante na educação que cada um deles recebe; repentinamente os pais são obrigados a assumir funções de ensino que um professor só começa a desempenhar após cinco anos de preparação. Além disso, a escola tem uma vida própria, protege os menores da violência doméstica e simultaneamente permite-lhes encontrarem-se com o seu "peer group" - o que é vital para o desenvolvimento das crianças e dos jovens. 

Traduzo parte da newsletter:

«Não há como dourar a pílula. A política alemã cometeu erros graves contra as crianças e os jovens. Apesar de inúmeros avisos, nada foi feito para poder dar aulas adequadas mesmo em tempos de pandemia.
O Estado:
- fechou as escolas, enquanto permitia que a maior parte dos escritórios e das unidades de produção continuassem abertos;
- não instalou equipamentos de filtragem do ar nas salas de aulas;
- não cuidou de disponibilizar testes rápidos para todos os professores e também para todos os alunos;
- não fez nada para proporcionar aulas digitais adequadas;
- não tomou qualquer outra medida de apoio complementar.

"Suspender a escola é um crime contra os menores", disse o historiador da Educação Tenorth numa entrevista com a jornalista Katja Iken. De todas as falhas na política de combate ao vírus, o fracasso escolar é, na realidade, a mais grave. As consequências irão fazer-se sentir na nossa sociedade ainda durante muitos anos.»

Não tenho particular interesse em dar uma imagem negativa da Alemanha, mas parece-me importante lembrar que não é só em Portugal que as coisas correm mal. Melhor seria que todos os países da União Europeia unissem esforços na busca de soluções para minorar os erros que estão a ser cometidos, e preparar com carácter de urgência programas especiais de apoio a estes grupos etários. 



8 comentários:

Jaime Santos disse...

Acho todas estas acusações francamente injustas. Tudo o que é dito até pode ser verdadeiro, mas em face da pressão sobre os hospitais e do cansaço dos médicos pelo avolumar de casos, os políticos vão fazer o quê?

A triste notícia é que de facto, até haver vacinas e quem sabe curas eficazes, não temos armas para lutar contra a pandemia. Zero. O confinamento é uma espécie de bala de canhão que resolve os problemas de aumento de casos no curto prazo, mas com imensos efeitos colaterais, obviamente negativos.

António Costa e Brandão Rodrigues bem tentaram manter as escolas abertas, mas não tiveram outra alternativa que não optar pelo fecho, em face até da comoção social...

Parece-me que não somos capazes de encarar o simples facto que na sociedade hiper-tecnológica em que vivemos, somos de facto ultrapassados pelos patógenos, como acontece há milhares de anos...

Os Países que melhor lidaram com a pandemia tiveram a enorme vantagem de serem ilhas e de terem optado por estratégias de supressão dos surtos nos momentos iniciais da pandemia, ou de serem estados não-democráticos como a China capazes de aplicar medidas altamente repressivas...

Helena Araújo disse...

Este post é sobre a Alemanha.
Estamos de acordo que o objectivo máximo é proteger os mais frágeis e evitar o esgotamento do sistema de saúde.
Mas há outros factos que também devem ser mencionados:
- Estão a ser exigidos às crianças e aos jovens sacrifícios descomunais, em termos de desenvolvimento individual (na fase da vida em que se encontram precisam imenso do contacto com pessoas da sua idade) e de perspectivas de futuro (porque os mais frágeis de entre eles deixaram de ser protegidos pela escola).
- O governo alemão (e talvez também o português, mas sobre isso não tenho informações) não se deu conta deste problema e não tomou as medidas que necessárias e deviam ser prioritárias para permitir o regresso à escola com alguma segurança (redução do tamanho das turmas, filtradores de ar, disponibilização de testes rápidos, apoio à digitalização, etc.)
A crise começou em Março. O mais tardar em Agosto o ministério devia ter um plano de funcionamento das escolas para um cenário com vírus.

Jaime Santos disse...

Eu percebi que o post era sobre a Alemanha, mas como não conheço em pormenor a situação aí, socorro-me da nossa experiência.

Por cá foram tomadas medidas (uso de máscaras, distanciamento social nas aulas e dentro das escolas, desinfecção de mãos, testagem de professores e alunos, etc), que resultaram durante o primeiro período, dado que o número de contágios nas escolas era residual.

Talvez o nosso Governo devesse ter sido mais lesto na implementação dos testes rápidos, mas foi o disparar de casos motivado pelo Natal, associado ao aparecimento da variante britânica, que levou ao fecho das escolas, porque se verificou que os alunos estavam a ser focos de propagação do vírus (presume-se que devido a contágios ocorridos fora das escolas, em que é impossível controlar as interacções entre os jovens). Também se fechou a escolas para controlar a circulação dos pais que levavam os miúdos às ditas.

É preciso perceber que numa pandemia e a não ser que se adopte a postura de uma Nova Zelândia (confinar brevemente quando o número de casos permite a identificação de contactos e o seu isolamento, o que é muito mais fácil numa ilha com 5 milhões de pessoas), fica-se extremamente dependente de contingências que imediatamente levam a um crescimento exponencial de casos, que não é controlável a não ser com confinamentos duros...

Eu percebo a necessidade de falar destas situações até para que se tomem medidas que levem à sua mitigação, mas aqui passa-se o mesmo que com a suspensão de cirurgias, consultas, etc. Primeiro trata-se o que é urgente (a pandemia) e só depois tudo o resto...

Eu acho que a maioria das pessoas não tem noção do que é o crescimento exponencial. É como na adivinha dos nenúfares. Imagine-se que dispomos de um nenúfar que duplica de tamanho a taxa constante (por exemplo, duplica de tamanho a cada dia) Imagine-se ainda que depositamos uma semente no dia 1 de um dado mês num lago e que observamos que no dia 30 o nenúfar cobre todo o lago. Em que dia o nenúfar cobria apenas metade do lago? A resposta é no dia 29...

Aquilo que parece muito incipiente rapidamente assume proporções esmagadoras...

Helena Araújo disse...

Jaime, escrevi este post apenas para lembrar que não é "só neste país". Todos os governos andam às aranhas.

Também não quero nada fazer figura de treinador de sofá, e dizer o que é que os governos podiam ter feito melhor.

Lembro-me perfeitamente de em Portugal se ter dito que era fundamental abrir as escolas, em nome dos interesses dos alunos. Também me lembro da resistência de alguns, que aproveitaram para dizer mal do governo.
Parece-me que não prepararam bem essa abertura. Uma amiga minha, professora, contou-me em Setembro que ia ter turmas completas em salas sem qualquer possibilidade de ventilação, e que disseram aos professores que deviam dar as aulas com a porta aberta - o que implicava que ouviriam também o que se passava nas outras aulas.
Um quadro catastrófico.

Comparando com o sistema de saúde: também aqui cancelaram as consultas e as operações daquilo que não era urgente. Mas as pessoas com problemas importantes e urgentes continuam a ser atendidas em condições de relativa segurança.
O que aconteceu com as escolas - parece-me - foi que os governos não atribuíram a mesma importância à necessidade de manter uma relativa normalidade na vida das crianças e dos jovens. Se tivessem decidido que as escolas não podiam fechar completamente em caso algum, tinham tomado as medidas necessárias para tornar isso possível.

Não percebo nada disso, confesso, mas arrisco algumas ideias a partir do meu sofá: divisão das turmas em grupos pequenos para manter o distanciamento dentro da sala, redução drástica do horário escolar para cada uma dessas sub-turmas, apoio à digitalização (apoio aos professores, equipamentos para os alunos, criação de materiais didácticos comuns a todas as escolas, aproveitamento de materiais já existentes na internet e respectiva tradução, etc.

Jaime Santos disse...

Tenho dificuldades de saber o que é que foi mal feito porque não devidamente preparado e o que foi mal feito porque não haveria meios em tempo útil (dividir os alunos por turmas mais pequenas implicaria contratar muitos mais professores e isso leva tempo, por exemplo, e dos computadores que o Governo queria comprar, uma parte não chegou porque não existia no mercado, muito simplesmente). Optou-se em prol dos jovens por correr um risco.

Julgo que no caso da identificação de contactos se poderia ter feito muito mais antes de Outubro. E não se deveria ter 'desconfinado' no Natal, mas toda a gente era a favor disso...

O meu ponto é que é fácil argumentar o que se poderia ter feito bem a posteriori (hindsight is always 20:20). Evidentemente, dever-se-à fazer uma análise cuidada à reacção à pandemia, através de um inquérito como o que foi feito depois de Pedrogão.

Agora, diria que numa situação que muda dia-a-dia e em que há uma grande pressão social para fechar, depois para abrir e de novo para fechar quando o medo aperta, o mais que se comete são mesmo erros...

Helena Araújo disse...

Jaime,
penso que basicamente estamos de acordo em tudo. Há um ano nem sabíamos o que nos ia acontecer duas semanas mais tarde, e é dificílimo fazer a gestão saúde x economia.

Mas gostava de sublinhar esta questão de fundo: será que, quando tomaram as suas decisões, os governos consideraram o bem estar psicológico das crianças e dos jovens como algo absolutamente prioritário?
A pergunta serve sobretudo para pedir que se mude a perspectiva.

E um detalhe: aqui a treinadora de sofá estava a sugerir que as turmas fossem reduzidas para metade, e os horários escolares também. Os professores continuavam com o horário completo, e davam a mesma aula duas vezes. Assim na loucura, estaria até capaz de sugerir que aproveitassem espaços amplos de edifícios de hotelaria ou culturais, agora fechados, para pôr os mesmos grupos a trabalhar de forma mais ou menos autónoma, acompanhados por vigilantes.

Jaime Santos disse...

Bom, Helena, não posso responder a essa pergunta. Mas a questão da mudança de perspectiva pressupõe que se consegue controlar a pandemia. Ora, eu duvido que isso seja possível quando há tantos casos como em Portugal (ou na Alemanha). Estaremos, enquanto a maioria da população não estiver vacinada, condenados aos ciclos de confinamento-desconfinamento à medida que os casos disparam e são depois controlados...

A Europa não adoptou uma estratégia de supressão como a Coreia do Sul, a Nova Zelândia, a Austrália ou Taiwan, provavelmente porque tal não era possível, a não ser que se mantivessem as fronteiras fechadas durante todo o 2020, com consequências terríveis para a Economia dos Estados, em particular de um que depende tanto do turismo como Portugal.

O que está a sugerir era que se passasse a dar só meio programa (ou que se sacrificassem férias). Não sei se isso seria possível, mas provavelmente seria mais honesto e com melhores resultados a longo prazo do que o ensino colado a cuspe das aulas digitais...

Mas confesso-me tão treinador de sofá como você...

Helena Araújo disse...

De tanto treinarmos no sofá, quando esta crise chegar ao fim temos de comprar sofás novos... :)