20 julho 2020

"unissexo" (1)

Alguns apontamentos sobre vestuário #unissexo:

1. Na época em que eu era adolescente, o hábito de usar roupa #unissexo deu imenso jeito aos meus pais: com cinco filhos entremeados rapaz/rapariga, a roupa passava directamente de uns para outros sem maiores apertos da carteira: calças da ganga e de bombazine, t-shirts e camisolas, camisas velhas do pai, kispos - assunto resolvido. 
A roupa servia apenas para vestir. Não tinha exibições parolas de marcas, não era statement de nada. E aparentemente os adolescentes não precisavam de se escorar na roupa para descobrirem qual era o seu género.

1 bis. Por causa da última frase lembrei-me daquela anedota dos bebés na maternidade:
- Tu és menino ou menina?
- Eu sou menina. E tu?
O outro levanta o cobertor, olha para baixo, e diz:
- Sou menino.
- Como é que sabes?
- Tenho meias azuis.

2. Não vai há muitas décadas, as crianças vestiam-se todas de igual até determinada idade. Nas fotografias antigas não dá para ver, naquela ranchada de crianças de caracóis e vestido, quais são os rapazes da família. O #unissexo das crianças de antigamente era mais feminino ("feminino" para os critérios de hoje)

3. Vá-se lá saber como, em algum momento começou a ser de novo importantíssimo separar a roupa em termos de menino e de menina. O estilo "decorativo" instalou-se na secção da roupa para meninas, e o estilo "aventura e acção"na secção dos meninos. Nos EUA, então, o fenómeno é avassalador: as diferenças chegam ao ponto de, nos palcos das festas dos infantários e das escolas primárias, as meninas estarem todas vestidas de bonecas pirosas, com sapatos de verniz ou quejandos, e os rapazes estarem em estilo "tá-se bem" e com sapatos de desporto.
O vídeo que partilho mostra uma miúda a queixar-se do sexismo contido nessa diferença de vestuário: "os rapazes têm t-shirts a dizer "think outside the box", e nós temos t-shirts a dizer "Hey". Qual é a parte de Hey que é inspiradora?"

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Não sei - não sei mesmo - mas admito que esta separação crescente seja resultado dos interesses do mercado: criar produtos diferentes e tendências novas para as famílias comprarem cada vez mais. E não é apenas a roupa: os quartos das crianças também têm linhas para o menino (camas em forma de carro ou de barco, papel de parede com riscas azuis, etc.) e linhas para a menina (se vos falasse dos quartos de menina que vi em famílias americanas... A perversão total: móveis de plástico a imitar a linha de móveis da Barbie, como se a menina que cresce naquele quarto fosse ela própria a boneca de formas inspiradas em fantasias pornográficas).

A perversão vai, obviamente, muito além do mundo das crianças e das roupas. Há alguns anos a Bic criou uma esferográfica para mulheres, "bic for her" - igual à esferográfica unissexo, mas um pouco mais fina e com um aspecto "feminino" e, claro, mais cara. Os comentários que os clientes da Amazon fizeram a essa produto foram um excelente momento de humor.


4. Há tempos a Zippy criou uma colecção de roupa infantil sem género: prática para se movimentar e brincar, fácil de passar de irmãos para irmãs e vice-versa. Grande escândalo: a Zippy a fazer ideologia de género e marxismo cultural!
Não dá para acreditar, mas aconteceu.
As pessoas que acusam a Zippy de estar a perverter os costumes com uma linha infantil unissexo não se dão conta de que esses costumes são relativamente recentes, por um lado, e de que, por outro lado, impor cores e formatos (de enfeites para elas e de roupa prática para eles) também é uma formatação e uma violência para a individualidade das crianças.

5. Para reduzir despesas às famílias e para acabarem com as tensões do exibicionismo de marca na escola, algumas escolas alemãs decidiram aderir a colecções de vestuário escolar com peças de corte e cores diferentes, que permitem a cada aluno vestir de forma personalizada. À excepção das saias, são peças unissexo.
Um exemplo: https://bit.ly/2BdAYtU

6. As calças já não são "roupa de homem" - transformaram-se em roupa unissexo. Gostava que, do mesmo modo, um dia destes as saias também passassem a ser unissexo. Tanto mais que, pelos vistos, usar calças pode afectar a fertilidade dos homens. E ninguém diga que um homem de saias é menos homem. É ver os escoceses, é ver os punks, é ver os árabes de djellaba. 


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