21 julho 2020

"operação valkíria"

20 de Julho de 1944 - Operação Valkíria Confesso que não sabia muito sobre a #Operação_Valkíria. Sabia que houve boa gente ligada ao grupo (falei disso há tempos aqui) e partia sumariamente do princípio que qualquer tentativa de eliminar o Hitler era positiva. Por causa do tema do dia fui ler a wikipedia alemã, e nesse artigo o que mais me chamou a atenção foi, por um lado, os resultados nefastos de certas tomadas de posição por parte dos outros países, e, por outro lado, a subjectividade na análise deste caso. Vou sumariar e traduzir algumas partes desse artigo:
Desde a subida de Hitler ao poder que houve tensões entre o novo regime e grupos conservadores das chefias do Exército, que eram mais ou menos resolvidas pelo princípio da sujeição militar ao primado da Política. Em Setembro de 1938, um grupo de militares estava a preparar um golpe de Estado como resposta à ordem de Hitler de invadir a Checoslováquia para se apoderar da região dos sudetas. Mas os planos desfizeram-se quando Chamberlain foi a Munique oferecer a Hitler a Sudetenland de mão beijada. O povo alemão, que se opunha a uma guerra, encheu-se de entusiasmo e regozijo pelo poder do seu Führer. Os militares perderam assim a base de apoio da qual necessitavam para realizar o golpe de Estado com sucesso. Antes da invasão da Polónia, um membro da inteligência militar alemã foi à Grã-Bretanha pedir que enviassem uma esquadra para Danzig, para servir de ameaça de uma guerra com duas frentes, de modo a travar os planos de Hitler, mas não foi ouvido. Os sucessos na invasão da Polónia e da França aumentaram ainda mais o entusiasmo, tanto ao nível do povo como das elites – nomeadamente em Stauffenberg. Este oficial tinha uma posição ambígua: começou por aprovar com entusiasmo a recusa do tratado de Versalhes mas recusou-se a entrar para o partido nazi; afastou-se do regime após os ataques aos judeus de 9 e 10 de Novembro de 1938, mas após o rápido sucesso na invasão da Polónia e da França exclamou: “quanta mudança em tão pouco tempo!” A sua ideia era vencer a guerra e depois tratar da “peste castanha”, mas mudou radicalmente de opinião ao ver os massacres de civis na frente Leste, o assassínio de três milhões de soldados soviéticos prisioneiros de guerra, e as execuções de centenas de milhares de judeus.
Em Junho de 1942, quando o exército alemão começou a dar os primeiros sinais de fraqueza na frente Leste, o jurista Adam von Trott zu Solz enviou um pedido de ajuda ao governo britânico, mas não foi levado a sério. Grupos ligados a dois oficiais provenientes de famílias nobres, Tresckow e Stauffenberg, começaram também a preparar atentados a partir de meados de 1942. Nenhuma das tentativas teve sucesso. Até ao verão de 1943 foi Tresckow quem dirigiu os atentados; a partir de Setembro de 1943, Stauffenberg tomou a dianteira. Duas citações:
„Chegou a hora de fazer alguma coisa. Mas quem ousar fazê-lo tem de ter consciência de que vai entrar na História alemã como traidor. No entanto, se não o fizer, tornar-se-ia um traidor da sua própria consciência.”
“Não conseguiria olhar de frente para as mulheres e os filhos dos caídos se não fizesse tudo ao meu alcance para impedir este sacrifício sem sentido de tantas vidas humanas.”
Depois do desembarque na Normandia, Stauffenberg pergunta a Tresckow se ainda é necessário fazer um atentado. Resposta deste: „Temos de fazer um atentado, custe o que custar. Mesmo que não resulte, é preciso fazer alguma coisa em Berlim. Já não se trata do objectivo prático, mas de mostrar ao mundo e à História que a resistência alemã arriscou a própria vida para a jogada decisiva. Comparado com isto, tudo o resto é indiferente.”
A descrição dos planos e a análise dos motivos do fracasso são muito interessantes, mas vou passar directamente à questão seguinte: como é que este movimento entrou na História.
A propaganda nazi acusou os autores do atentado de serem “cobardes traidores da pátria”, que escolheram dar uma facada nas costas da Alemanha num momento extremamente difícil para o país. Esta versão ainda tem seguidores nos nossos dias.
Como motivação comum para acção deste grupo (para lá dos princípios éticos ou da tomada de consciência perante as atrocidades), os historiadores contemporâneos apontam o “interesse nacional”. O diletantismo de Hitler estava a conduzir a Alemanha para uma tragédia cada vez maior, e importava agir para limitar a dimensão do desastre. O “interesse nacional” é uma motivação particularmente óbvia para as acções de 1938 a 1940.
Historiadores de orientação marxista vêem neste movimento de resistência uma tentativa, por parte dos aristocratas „oficiais de Hitler“, para evitar a ocupação da Alemanha, a perda das suas próprias propriedades no Leste e a perda dos privilégios da casta de oficiais. Para estes historiadores, a verdadeira resistência foi feita pela KPD e pela Rote Kapelle. Outros historiadores dão mais importância a Georg Elser e ao grupo Weiße Rose, pelo seu carácter democrático, do que à conspiração do 20 de Julho. Stauffenberg seria monárquico, e portanto não era um democrata. Joachim Fest e outros historiadores defendem que Stauffenberg era monárquico (e portanto, não republicano), mas que era com certeza um democrata.
Certo é que do grupo faziam também parte alguns nazis radicais, como:
- Eduard Wagner, co-responsável pelo assassínio de milhões de prisioneiros de guerra soviéticos, e que temia consequências quando o Exército Vermelho chegasse à Alemanha;
- Arthur Nebe, comandante dos grupos de comando B (os que iam atrás do exército na frente e atacavam as aldeias de judeus – ou outras – destruindo e massacrando) e responsável pelo genocídio dos Roma e Sinti (Porajmos);
- Wolf-Heinrich Graf von Helldorff, nazi da primeira hora e que com um currículo de ataque aos judeus que já vinha de antes de 1933.
Não obstante, entre os outros membros do grupo houve vinte que assumiram perante o tribunal nazi que tinham agido para impedir o crime do Holocausto, e não cederam nessa posição nem mesmo para tentar salvar a vida. Os historiadores admitem que tenha havido um processo de tomada de consciência que os levou de uma adesão inicial ao regime a um repúdio total. Como Tresckow disse, ao despedir-se de um amigo: “Se Deus prometeu uma vez a Abraão que não destruiria Sodoma se nela encontrasse dez justos, espero que, devido a nós, não destrua a Alemanha. [...] O valor moral de um homem só começa quando ele está preparado para dar a vida por aquilo em que acredita.”
Reacções internacionais:
O atentado foi visto com um certo desprezo, uma vez que o inimigo era considerado moralmente inferior no seu conjunto. Churchill comentaria que se tratava de "lutas de extermínio entre as elites do Terceiro Reich" e que "as principais personalidades do Reich alemão estão a matar-se umas às outras, ou procuram matar-se umas às outras; mas os seus dias estão contados". Os EUA acompanhavam Churchill nessa análise. O NYT escreveu que se tratava de um ajuste de contas no contexto de um obscuro mundo de criminosos, e que este não era o comportamento que seria de esperar de um corpo de oficiais de um Estado civilizado. Num jornal militar soviético lia-se que a Alemanha não seria vencida por oficiais rebeldes, mas sim pelo Exército Vermelho e seus aliados. “Os nossos exércitos são mais rápidos que a consciência dos 'Fritzen“.
Já a alemã Marion Gräfin Dänhoff, jornalista e editora do semanário Die Zeit, apontou para o „muro de silêncio“ que o estrangeiro ergueu, apesar dos pedidos de apoio por parte de alguns membros da resistência, e critica o modo como esses países aceitaram a versão de Hitler, vendo no atentado do 20 de Junho um acto de oficiais ambiciosos.
A Alemanha depois de 1945:
Tanto na RFA como na RDA temia-se o surgimento de um nova ficção como a do „punhal nas costas“ que surgiu após a primeira guerra mundial. As populações dos dois países estavam ainda muito marcadas pela versão da propaganda nazi.
Na RFA estes oficiais começaram a ganhar boa fama a partir de meados dos anos 50, com o processo Remer (um oficial que foi levado a tribunal por ter chamado traidores aos autores do atentado – este processo acabou por confrontar a Alemanha consigo própria: para exigir respeito pelos autores do atentado era preciso que um tribunal alemão assumisse o carácter de Unrechtsstaat da Alemanha nazi). No entanto, a população evitava o tema. Segundo o historiador Joachim Fest, parte desse repúdio advinha do facto de os nazis ainda estarem integrados na sociedade até aos mais altos cargos, por um lado, e de, por outro lado, os jovens da revolução de 68 terem dificuldade em aceitar dar tanta importância à resistência ao fascismo com origem num grupo de nobres e generais, fascistas e criminosos de guerra, em vez de de operários, camponeses, mulheres, prisioneiros e desertores. A crescente liberdade dos meios de comunicação contribuiu para melhorar a fama deste grupo de resistentes, e o simples facto de terem existido permitiu à Alemanha libertar-se da tese da culpa colectiva (expresso por exemplo num discurso pseudo-cristão no qual se comparam os membros deste grupo que pagaram com a sua vida a uma espécie de “cordeiro de Deus” que redimiria os alemães do seu pecado). Ou como Tresckow dissera uns anos antes: “se houver 10 justos em Sodoma...”
Os partidos políticos mantiveram uma posição dúbia em relação ao atentado, porque não queriam afastar nenhum possível eleitor, nem sequer os antigos simpatizantes dos nazis. Em 1946, Adenauer manifestou-se radicalmente contra a atribuição de uma pensão às viúvas dos condenados pelo atentado. Mas oito anos mais tarde anunciava num discurso na rádio: "Quem, por amor ao povo alemão, se comprometeu a quebrar a tirania, como as vítimas de 20 de Julho, é digno da estima e da veneração de todos".
Na RDA, a narrativa era bem diferente: os autores do atentado eram „agentes reaccionários do imperialismo americano“. A conspiração teria sido „na sua totalidade e na sua essência um empreendimento radicalmente reaccionário para salvar o imperialismo alemão e o poder dos monopólios antes de serem esmagados". Mais tarde, no sentido da teoria marxista da história, foram passados para a categoria de "idiotas úteis", ou seja, como elementos originalmente inimigos da classe trabalhadora que tinham, contudo, apoiado involuntariamente o exército soviético a vencer na sua luta contra o fascismo. Por volta de 1980, as chefias do partido único SED recordaram a sua tradição prussiana e fizeram uma avaliação cautelosamente positiva dos participantes do dia 20 de Julho. No filme “ Libertação”, que foi produzido sob a direcção da União Soviética de 1969 a 1972, o atentado ocupa bastante espaço e é apresentado de uma forma claramente positiva.
Hoje em dia, em toda a Alemanha é reconhecido o mérito destes resistentes.

1 comentário:

Lúcio Ferro disse...

É importante ter em conta que o movimento que culmina na operação valquíria desde cedo foi tentado e lançado. Houve vários atentados à vida do Fuhrer, aguns isolados, outros pré-fabricados para cultivar a imagem do líder. A oposição estava no grupo de Zossen, Halder, Fritsch, Beck, logo em 1938. No entanto, a capacidade da liderança nazi em obter vitórias inauditas sem pingo de sangue derramado, impedia os conspiradores de agir e depois havia o medo. Numa semi clandestinidade, vários grupos, como o círculo de Kreisau de Moltke conspiravam contra o regime. Havia a Gestapo, o SD e a uma legião de bufos. Nada era fácil, o ditador parecia ter um sexto sentido, mudava o horário das suas aparições públicas ao fluir do momento e à medida que a guerra se prolongava as suas aparições diminuíram. Então, em 43, houve o movimento da Rosa Branca, esmagado sem piedade. Quanto pior corria a guerra, mais a repressão se acentuava, bem como a busca de traidores. Finalmente, temos a operação valquíria, na qual os generais apostam tudo para salvar uma alemanha, feita de junkers e de glória, que só existia nas suas mentes corruptas (permanece obscuro saber o que teriam feito caso o golpe tivesse vingado). Stauffenberg foi um herói, lia sagas nórdicas e poetas românticos como Stefan George, possuía um espírito místico. Teve a sorte de ter sido apenas fuzilado às ordens do ambíguo From, o qual foi enforcado na sequência após ter sido torturado pelos seus compagnons de route nazis.