04 junho 2020

é o comunismo...

Para manter a proximidade social apesar do afastamento imposto pela crise da covid-19, o meu marido começou a jogar às cartas online com dois amigos. Um em Munique, o outro em Washington - e nós os dois em Brest, num apartamento minúsculo. De modo que eu vou ouvindo as conversas: o amigo que está nos EUA a anunciar há dois meses, preocupadíssimo, que a covid-19 ia ser um "banho de sangue" no seu país; ou, no mês passado, a perguntar porque é que na Alemanha morrem muito menos pessoas que nos outros países; e a gargalhada velhaca dos alemães de cá:
- Diz aí aos teus americanos que isto é o comunismo...

Nos EUA, qualquer proposta com preocupações mais sociais é "comunismo". Pois que seja - e aqui deixo alguns exemplos da forma como o "comunismo" do sistema alemão permitiu a crise da covid-19:

- Quando o problema ainda era apenas chinês, um laboratório de investigação estatal alemão criou um teste de diagnóstico. Em Janeiro, quando o vírus ainda nem sequer tinha chegado à Alemanha, o teste do laboratório estatal alemão foi posto gratuitamente à disposição do mundo inteiro;

- O chefe desta equipa, Christian Drosten, começou a dar entrevistas diárias para informar em primeira mão sobre o ponto da situação do ponto de vista científico. Várias pessoas contaram-me que todos os dias, antes de adormecer, ouviam o seu podcast de cerca de meia hora, porque a voz dele tinha um efeito apaziguador. E não era apenas a voz - era sobretudo a autenticidade: o cientista tinha a coragem e a humildade de falar da situação sem omissões nem dramas, de forma ponderada e autocorrectiva, assumindo aquilo que ainda não sabia e também o que entretanto aprendera e corrigira depois de uma entrevista anterior;

- Quando o vírus chegou à Alemanha, já havia testes em grande quantidade disponíveis em laboratórios de todo o país, para testar sem demoras os casos de risco, e pôr em isolamento todos os que dessem resultado positivo;

- Quando o governo impôs o confinamento, deu imediatamente e sem complicações burocráticas cinco mil euros a quem perdeu os seus rendimentos (vários amigos meus de Berlim - músicos, fotógrafos, etc. - receberam esse dinheiro num prazo de dois dias), permitindo a essas pessoas atravessar esta crise com um mínimo de tranquilidade, e ficar em casa em vez de se sujeitarem a fazer qualquer coisa para ganharem algum dinheiro;

- O governo alterou uma das regras do Sistema de Apoios Sociais, para que as pessoas que ficaram impedidas de trabalhar devido às regras de distanciamento social (como as dos sectores da cultura, das restauração, da prostituição, etc.) pudessem receber os apoios sem terem primeiro de gastar todas as suas poupanças, vender o apartamento ou mudar para um alojamento de dimensão menor; 

- Há mais de dez milhões de alemães a trabalhar em regime de horário e salário reduzido. São dez milhões a menos no desemprego, e são dez milhões que podem recomeçar a qualquer momento a trabalhar a pleno. Quando vier a retoma, empresas e trabalhadores estão prontos a avançar - ao contrário de outros países, nos quais a retoma será atrasada pelo facto de ser necessário procurar pessoas e treiná-las. 

É certo que também foram cometidos erros, também houve muita navegação à vista, também foi complicado gerir o conflito entre as informações em constante mutação por parte da ciência e a pressão das pessoas e dos agentes económicos para se voltar à normalidade. Ninguém disse que o "comunismo" é perfeito. Mas gostava de saber a escolha dos habitantes dos EUA (e já agora dos adeptos da AfD e do Chega): numa crise como a da covid-19, preferiam morar nos EUA do Trump ou na Alemanha de coligação de partidos do centro democrático?


3 comentários:

" R y k @ r d o " disse...

Bom dia:- Países, na sua essência, todos iguais, todos diferentes

Será que alguém consegue responder às questões colocadas no fim do texto?
.
Um dia feliz
Cumprimentos

GWB disse...

bom post. aprendi muito. obrigado.
www.takedireto.wordpress.com

Jaime Santos disse...

O 'comunismo', Helena, parece funcionar particularmente bem em Países desenvolvidos, com bons sistemas de saúde, uma cultura de transparência democrática e, ah pois, excendentes da balança comercial, que são meio caminho andado para excedentes orçamentais que não obrigam o Estado a apertar o cinto quando há quebras de receita fiscal devido a contrações da actividade económica.

E ainda bem a Alemanha parece que se está a lembrar que esta situação não é infelizmente a mesma em toda a UE...