15 março 2020

os primeiros dias

Nota prévia: escrevi este post na semana passada, mas não o publiquei logo por falta de tempo.
Entretanto a situação agravou-se de tal modo que tudo isto me parece escrito noutro milénio.
Mas publico na mesma. Afinal de contas, o marcador chama-se "diário bretão".

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Na nossa primeira semana na Bretanha jantámos ostras por três vezes. E muito bem, porque afinal de contas foi com miragens dessas que o Joachim me convenceu a trocar Berlim por Brest durante uns meses.
Mas de repente caiu a ficha: Março, Abril - e depois começam os meses sem R. Que vão até Setembro, o mês do nosso regresso à base.
Ai.

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Perdi o norte, literalmente. Dentro de mim o mar é a oeste, mas em Brest é a sul.
Nem queiram saber a quantidade de vezes que me perco por causa desta bússola avariada.

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Encontrei vários apartamentos mobilados para alugar a curto prazo. Um era bastante interessante: com cozinha aberta para a sala, mais um quarto, num prédio todo ele acabadinho de arranjar. O problema era o preço - no limite superior do que planeámos - e a falta de paisagem. Dei comigo a sentir-me triste só de imaginar passar os dias a olhar para as janelas fechadas da casa da frente, mais a nesguinha de verde no meio da rua, se espreitasse de esguelha.

Como mais vale um pássaro na mão que talicoisa, apalavrámos esse. E entretanto apareceu um outro, com uma divisão só, mais cozinha e casa de banho, que tinha o privilégio de uma vista sobre o rio Penac, a cidade (feiosa) na outra banda, o centro cultural les Capucins e um estaleiro portuário militar. Em termos de menina estás à janela: um fartote. E virado a sudeste, promessa de pequenos-almoços soalheiros.

Optámos por este, e lutei como uma leoa para o conquistar. Quando telefonei havia mais de dez inscritos para a visita no sábado em que estávamos em Concarneau, e o senhorio disse-me que se não houvesse ninguém com o perfil adequado me contactava na segunda-feira. Pois, pois. Escrevi-lhe uma mensagem de fazer chorar as pedras, e disse-lhe que de bom grado viria de Concarneau de propósito para a visita no sábado. O que não lhe disse foi que uma viagem de uma hora é algo normal para ir de A para B em Berlim, pelo que não estava a fazer nada realmente fora do habitual.

E ainda bem que não lhe disse, porque a minha mensagem o deixou muito impressionado. Em suma: habemus cubiculum in Brest. A partir de fins de Março.

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Passei uma tarde inteira na IKEA a deitar contas à vida: como combinar airosamente as zonas de comer, estar, trabalhar e dormir numa salinha de vinte e cinco metros quadrados, sem termos a sensação de estar a viver no armazém de móveis de um farrapeiro.

Sinto-me um pouco inquieta com a perspectiva de, nesta fase da vida e neste estádio dos hábitos, partilharmos um espaço tão exíguo durante meio ano. Nós que desde há quinze anos temos vivido em casas com escritórios separados, e em várias delas tivemos escritórios individuais maiores que esta sala em que vamos viver agora os dois. Mas a paisagem daquelas janelas é muito convincente.
A ver vamos, literalmente e não só.

Quando estávamos para assinar o contrato, apareceu-me um novo anúncio: no mesmo bairro, com a mesma vista, praticamente pelo mesmo preço, um apartamento um pouco maior e com sala e quarto separado, disponível imediatamente. Caiu-me o coração aos pés. Mas foi só até descobrir que este apartamento é virado a norte. Uffff.

Tratei de cancelar a busca no Le Bon Coin. Daqui para a frente, tudo o que me possam oferecer tem o risco de me inquietar e frustrar. E: uma pessoa tem de ser capaz de perceber quando é que o jogo acabou.

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O clima em Brest é brutalmente pubertário. Consegue passar do mais radioso sol ao granizo em cinco minutos, depois cansa-se deste excesso e volta atrás, ao sol, depois chuvisca um pouco. Mas o estado geral tem tons sobretudo cinzentos. Como será Abril, como será o verão?

Em todo o caso: estou muito grata por ter trazido o meu impermeável forrado, e as botas de cano alto.
Só não sei se vou usar o poncho e as galochas que também trouxe. Mais ninguém os usa por aqui, e não quero fazer figura de pied-tendre (vocês sabem: o pezinho-mole do Lucky Luke).


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