18 março 2020

cuidar dos pulmões

 
Atordoada é talvez a melhor palavra para descrever o meu estado actual. Nas duas acepções: sem saber muito bem onde estou e o que me está a acontecer, e maravilhada com os tantos sinais de generosidade e solidariedade que vejo. As empresas que me escrevem dizendo que se não puder pagar já posso pagar depois, os artistas - vítimas maiores desta crise! - que trabalham online gratuitamente para todos os que estão fechados em casa, as pessoas que se oferecem para ir ao supermercado em vez dos vizinhos que não podem sair de casa, o meu coro que faz questão de continuar a pagar o salário da equipa de maestros e da professora de canto apesar de não estarem a trabalhar. E tantos outros.


Os dias têm estado lindíssimos, mas não sinto vontade de sair. Apesar de ter ouvido na televisão dizer que estamos autorizados a fazer desporto individualmente ou a dar passeios em sítios isolados. O meu bairro parece-me um desses sítios isolados: não se vê ninguém na rua nem às janelas. Pergunto-me se os habitantes das redondezas têm todos casas de férias, e resolveram ir fazer a sua quarentena para um lugar mais isolado que o apartamento da cidade.

Ontem ao fim da tarde, quando voltou do hospital, o Joachim perguntou-me se tinha saído.
- Sim, sim! Fui levar o lixo à rua!
- Só isso?!
- Ah, mas o contentor de recicláveis estava cheio, tive de dar a volta ao quarteirão em busca de um vazio...

Esta manhã reincidi: vim para o computador em pijama. "Desta vez não me acontece nada, agora estamos mesmo todos obrigados a ficar em casa", pensei. Às dez da manhã comecei a ouvir bater nas portas dos andares de baixo. Começou no rés-do-chão, pum-pum-pum, depois subiu ao primeiro andar, pum-pum-pum...
Parecia um filme de terror.
Mas escapei desta: ninguém bateu à minha porta. Continuo de pijama.

O Joachim telefonou há bocadinho, e sugeriu-me que imprimisse o formulário de salvo-conduto fornecido pelo governo com uma cruz na alínea "actividade física", para sair. Diz que é fundamental encher bem os pulmões com ar fresco, porque sentada ao computador em pijama, dia após dia, ainda me arrisco a arranjar um problema pulmonar. Respirei logo mais fundo, e abri a janela.
Pensei no jogo para fazer exercícios respiratórios que me deram da última vez que estive internada no hospital. Sei exactamente onde o tenho arrumado: a 1593 km daqui, mais trinta degraus a descer e mais 28 degraus a subir, e mais 9,5 m. 
Não tenho como fugir a isto. Vou mesmo sair à rua deserta, fazer um passeio em passo rápido, subir e descer várias vezes todos os lanços de escadas que encontrar por aí, manter uma distância de cinco metros pelo menos de quem quer que for que me apareça pela frente.

Adeusinho, meu rico pijama: vais ter de te desenrascar sem mim até logo à noite.


1 comentário:

jj.amarante disse...

Tenho o hábito de abandonar o pijama sempre que não estou doente embora tenha abandonado o casaco dentro de casa, substituído por pulover.
Tenho alguma tendência em descobrir ruas desertas nas cidades que visito e aqui nos Olivais Sul dou diariamente um passeio observando durante boa parte do tempo os prados existentes como poderá constatar no ImagensComTexto procurando "prados". Na Bretanha deve ter janelas de oportunidade para iniciar um passeio, é quando a chuva parou, iniciando um breve intervalo.