02 fevereiro 2020

pxkoço

O meu filho alemão disse "pescoço" e a seguir perguntou, muito intrigado, como é que essa palavra se escreve. Segundo ele, seria assim: pshkoço. E nem sei como se lembrou do "ç", quando o "ss" servia às mil maravilhas.

Pensei naquele argumento de o AO dificultar a aprendizagem da língua aos estrangeiros, e dei-me conta de que estas mudanças são a pontinha da pontinha da pontinha da ponta do iceberg.

Pxkoço! Como é que os desgraçados dos estrangeiros vão saber que uma coisa que se pronuncia pxkoço é para escrever "pescoço"? 

E é para não falar nos "admnxtradorx" que são o "ilfant" branco das "emprezx". 

Entrotrx malx.

3 comentários:

V. M. Lucas Lindegaard disse...

É ao contrário, Helena: relativamente aos estrangeiros estudantes de português, o problema que se põe é o da influência da grafia da pronúncia (uma coisa que, como se sabe, não acontece com os falantes nativos) –– a não ser que alguém aprenda português sem recurso à escrita, o que é muito improvável. Ora a questão é, pois, como é que da grafia pescoço se deriva a pronúncia /p(ə)ʃkosu/ –– ou /pchcoçu/, se preferires, e não ao contrário. O caso do teu filho é perfeitamente excepcional. Quanto ao resto, o AO só facilita: acho que finalmente os aprendentes estrangeiros vão deixar de pronunciar os cc e pp que não se pronunciavam, porque agora já não se escrevem :). Já não é chita (pode, nalguns casos, ter um efeito negativo na leitura, dificultando o reconhecimento de cognatos das línguas mais próximas, mas mais que isso não vejo).

Agora, pronunciados ou não, aqueles ee ditos mudos são um elemento do sistema, por isso não há possibilidade de os apagar na escrita e fazer uma grafia «amiga dos aprendentes estrangeiros». Quero insistir neste pormenor, que se esquece muito, que a grafia do português tem que dar (a não ser que se altere completamente) uma imagem do sistema, comum à totalidade ou à grande maioria das variantes, e não da pronúncia dessas variantes, e os «ee mudos» fazem parte do sistema: não só se pronunciam nas variantes não europeias, como, mesmo em Portugal, se ouvem sem se ouvir: o som final de mês, por exemplo, pronuncia-se ch antes de uma consoante muda, j antes de uma consoante sonora e z antes de uma vogal; mas o som final de mexe pronuncia-se sempre ch independentemente do que venha depois: lá está aquele e no fim, que se «ouve» sem se pronunciar.

Helena Araújo disse...

Vítor, este é um caso em que o comentário devia ser o post, e vice-versa. :)

V. M. Lucas Lindegaard disse...

Olha que, se não fosse o teu comentário, apagava o meu comentário e refazia-o, acho que compliquei desnecessariamente...