28 fevereiro 2020

fase de aquecimento

E vocês: o corona vírus já vos estragou alguns planos?
No nosso caso:
- Perdemos uma reserva no nosso airbnb, porque cancelaram uma feira de moda asiática aqui em Berlim.
- Cancelaram um congresso ao qual o Joachim ia, em Taiwan, de modo que eu vou para a Bretanha já no próximo domingo, em vez de ir só depois do seu regresso da Ásia.
- Está a ficar cada vez mais difícil encontrar certos medicamentos, porque são produzidos na China.

Diz que a economia alemã vai passar mal, porque a China é um parceiro muito importante, mas essa parte ainda não se fez sentir directamente na minha vida. Já na vida dos trabalhadores da Lufthansa Cargo...

Fico a pensar: o capitalismo criou a globalização para optimizar processos (enfim, "optimizar" é como quem diz - o planeta, por exemplo, tem outra opinião) e depois vem uma gripezinha nova e começa a meter grãos de areia na engrenagem. 
Ah, por falar em doença nova: sabe-se lá que surpresas nos reserva o permafrost da Sibéria. Aquilo é uma espécie de congelador cheio de vida interior: bacilos de doenças que se julgavam extintas, por exemplo. É, como quem diz: era. A vida interior do permafrost siberiano já começou a partilhar-se generosamente com o nosso mundo. Por exemplo: vítimas mortais de antraz, por causa de um cadáver de rena vítima dessa doença, que estava ali bem guardado há séculos. Recomeçaram a vacinar as renas selvagens e os humanos contra uma doença que se julgava extinta. 
Dantes - quer dizer, antes do Trump, do Bolsonaro, do Höcke - eu pensava com perplexidade nos alemães dos anos 20 do século passado: como foi possível assistirem à ascensão do nazismo sem fazerem nada? Agora começo a perceber melhor. E um dia destes, temo, também me vou sentir bem mais próxima dos indígenas das Américas quando começaram a morrer de doenças que não conheciam.

Já agora, outra pergunta: também ouvem muitas vezes notícias sobre o custo de projectos em curso para reagir ao aquecimento climático? Tipo: quase mil milhões de euros para reflorestar a Alemanha, porque as árvores actuais estão a ser dizimadas por um insecto que se tem multiplicado exponencialmente devido à ausência de frio invernal nos últimos anos.

De cada vez que leio comentários dos bots a espalhar a ideia de que o aquecimento climático é uma invenção dos governos de esquerda para aumentarem os impostos com desculpas parvas penso nos custos de reflorestamento, de reforço dos diques holandeses, de vacinar as renas siberianas. E isto, a bem dizer, ainda nem começou a ser a sério. Que fará quando for. 


6 comentários:

Helena Monteiro disse...

O nosso mundo não é imutável ou tranquilo como nós quiseram ensinar. Estamos tão frágeis e tão à mercê quanto os nossos irmãos do renascimento. Isto é uma ideia muito perturbadora para nós que até colina pensávamos dominar.

Helena Araújo disse...

"até colina"?
Esse corrector ortográfico! :)

Jaime Santos disse...

A nossa pirâmide tecnológica é extremamente frágil, mas sem a globalização, não teríamos a coordenação internacional e sobretudo a investigação científica que permite combater estas novas ameaças.

De modo imperfeito, como tudo o que é humano, mas é melhor do que a situação até à invenção das sulfamidas onde quem ficava doente com uma doença grave morria, ponto.

Cabe lembrar que em eras atrasadas doenças como a peste, a sífilis, a gripe espanhola (só se chamou espanhola porque a Espanha não estava sob censura uma vez que se manteve neutral durante a Grande Guerra) se propagaram pelo planeta e dizimaram a vida de milhões de pessoas. E bastaram para isso viajantes a cavalo ou em barco à vela ou a vapor...

Tive dois tios-avós que morreram tuberculosos e o meu próprio Pai só foi curado de uma tuberculose das glândulas linfáticas graças à estreptomicina, no final dos anos 50... Sei que isto pode parecer algo melodramático, mas provavelmente devo a minha vida aos senhores Schatz e Waksman, dois judeus americanos, que a descobriram :-), bem hajam e ao capitalismo americano que naqueles tempos tinha porventura um rosto mais humano...

De notar que a tuberculose continua a matar milhões de pessoas nos países em vias de desenvolvimento todos os anos sem que isso nos preocupe muito...

Será que sob o permafrost se esconde a nova pandemia que nos irá matar a todos? Não faço ideia, mas seguramente que por lá se esconde muito metano que pode tornar o aquecimento global ainda pior, isso é mais do que certo...

Helena Araújo disse...

Sim, dantes "morria-se muito".
E tenho ouvido na Alemanha algum cepticismo em relação ao Corona. Afinal de contas, todos os anos morrem aqui muitos milhares de pessoas com gripe, e ninguém parece muito preocupado.
Já o aquecimento climático e o permafrost: são uma dupla assustadora.

Jaime Santos disse...

A taxa de mortalidade do Covid-19 parece ser 20 vezes maior do que a da gripe (cerca de 2% dos infectados) e parece ser também de mais fácil propagação. Claro, todos estes números são provisórios. Convém pois alguma cautela, evitando viagens desnecessárias e mantendo a higiene de hábitos e algum distanciamento social...

Mas sim, é verdade que existe provavelmente uma resposta desproporcional ao risco em causa, sobretudo da parte dos média que amplificam o que se passa.

Convivemos mal com a morte que julgamos reservada aos grandes enfermos e falta-nos a resiliência de quem outrora vivia com ela de ano para ano. Isto é claro um bom sinal, mas é igualmente sinal de uma complacência de quem pensa que o nosso conhecimento pode dominar a Natureza. Não pode, ela leva-nos muitos milhões de anos de avanço no processo de evolução.

Por último, acho imensa piada aos Salvinis e Le Pens que já querem fechar fronteiras, os tais defensores da civilização cristã europeia. Só que não é muito cristão negar ajuda aos nossos irmãos, eles deveriam era ir ler a parábola do Bom Samaritano, Evangelho segundo São Lucas...

Ou aquele versículo, já não me recordo se é em Mateus, onde se diz que não deveremos ter medo, até os nossos cabelos estão contados. E isto digo eu, que não sou crente, que fará os verdadeiros crentes a quem estas acções devem provocar o horror...

O medo é uma coisa terrível, paralisa-nos a razão e transforma-nos em monstros apenas interessados na nossa auto-preservação a curto prazo, esquecendo que podemos estar a agir contra os nossos próprios interesses... E isto também é verdadeiro no contexto mais lato do aquecimento global...

Isto faz-me lembrar aquele conto do Edgar Allen Poe, onde o Príncipe Prospero e os seus cortesãos se escondem da peste isolando-se por detrás de pesadas muralhas, negando ajuda ao seu povo, só para verem o fantasma da morte vermelha entrar-lhes pelas portas dentro durante um baile de máscaras...

A morte, seja ela vermelha ou de outra cor qualquer, apanha-nos a todos no final...

Ant.º das Neves Castanho disse...


Bom, pela nossa parte é claro que estamos um pouco apreensivos, sobretudo porque temos o compromisso de, já em Abril, receber em nossa casa (por duas noites) dois meninos de Valência (logo por azar...), de um Coro infantil que vem fazer intercâmbio com o dos nossos, os quais depois irão também a Valência, em Junho (e nós com eles...).

Mas, para já, não pensamos alterar os nossos planos (e esperamos que eles também não alterem os deles, coitados)...

E, entretanto, o melhor mesmo é continuar a ter muito cuidado no trânsito (e não só na Segunda Circular...), cujos acidentes matam por ano no Mundo mais pessoas de que o DOBRO de todas as outras causas de morte violenta juntas (guerras, crimes e terrorismo)!

Já agora, para quem nunca consultou estes números, saiba-se que o número diário de mortos no Mundo inteiro em acidentes de viação é equivalente à queda de sete Boeings 747 todos os dias, matando a totalidade dos passageiros e tripulantes. Imaginem só o que aconteceria nas notícias (e na Aviação comercial!) se isto fosse realidade.

Mas como são "só" acidentes de viação, já ninguém fica chocado...