01 dezembro 2019

„Jutlândia„

Calhou de a palavra do dia na Enciclopédia Ilustrada ser "Jutlândia" logo no dia em que saí para a Dinamarca. O meu post do dia foi um diário de viagem:

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Esta vossa artista tem em casa uma pilha de livros ainda por ler que é maior que ela, mas conseguiu a proeza de sair para uma viagem de comboio pelo meio da #Jutlândia sem levar livro nenhum.
De modo que só lhe resta aproveitar o tempo com uma reportagem fotográfica manhosa.
Se forem passando por aqui, podem acompanhar em directo a (seca de) viagem que estou a ter.



Hamburgo contra o sol.
A vossa sorte é o Facebook não ter cheiros. Nem queiram saber o cheiro que o matjes deixou nos meus dedos!

Comprei
"A História da Água", de Maja Lunde (autora de "A História das Abelhas"). Uma distopia sobre a seca que vai assolar o nosso mundo. A Europa dividida entre países com água e países desertificados, e um campo francês de refugiados, onde se juntam pessoas do sul da França, da Espanha e de Portugal, que tentam - debalde, ou, literalmente: de balde - entrar nos países do norte.


Em Hamburgo entrei num comboio de dois andares e instalei -me num lugar sossegado no topo, a beber o meu café e a comer o pão com matjes, que é obrigatório quando se está tão perto do mar.
À minha frente sentou-se uma mãe jovem com o filho de três anos, e daí a nada os dois estavam a ler sossegadamente o novo livro do Astérix que eu comprei.
Quando foram à casa de banho aproveitei para lhes fotografar o farnel: caixinha de lata para o pão, garrafa para trazer a água de casa. Mais uma bola de Berlim, mais um livro.
Agora a mãe vai a ler, enquanto o miúdo ouve histórias no seu headphone.
Já estou há quase duas horas com eles, e está tudo tranquilo.
Estou a gostar imenso desta mãe que acompanha, conversa e orienta sem stress.




 
O caminho para a Jutlândia é feito de planícies verdes salpicadas de vaquinhas. Antes seria provavelmente floresta continental virgem. Ou pântanos.


Salpicada de geradores eólicos. 
Mas hoje pouco geram: não há vento.


Não sei que cidade será esta, à margem de uma auto-estrada de navios. 


Cruzamento de linhas de comboio. Nós já vamos numa via elevada, e por cima de nós passa aquela ponte altíssima. O chão de casas parece tristonho. Como será morar junto a um cruzamento de comboios que nem se dão à delicadeza de parar e convidar para ir dar uma voltinha?


Paragem de quase uma hora em Flensburg. As lojas estavam fechadas: dia da Reforma. No norte da Alemanha só os de Berlim, coitados, é que trabalham. E amanhã é feriado nos Estados católicos da RFA. Mas não em Berlim. Maldito Estado laico!

(Não tenham pena: como recompensa, o dia internacional da mulher é feriado em Berlim. Viva o feminismo!)


Ia perdendo o comboio. Primeiro fui para o cais errado. Depois fui a correr para o certo , mas à minha frente ia um senhor negro com imensa bagagem e ar de não ir para lado nenhum. Sem pressa, a ocupar o caminho todo. Entrei no comboio já depois da ordem de partida, e apanhei um raspanete em dinamarquês.
Isto começa bem!


(Fiquei a pensar se aquele senhor será um refugiado a tentar chegar à Dinamarca.)





Hey! Já cheguei à Jutlândia!

Controle de passaportes. Uffff! Felizmente lembrei-me de trazer documento de identificação. Esta história da União Europeia é enganadora: uma pessoa habitua-se a sentir-se em casa, mas é só até aparecerem os primeiros polícias a dizer “your passport please”.

 

Para já, a grande diferença entre o norte da Alemanha e a Jutlândia é terem trocado as vacas por ovelhas.

 

E é mais dourada.
 

Daqui a nada anoitece aqui na Jutlândia. Tenho de me apressar com a reportagem fotográfica.
 

Os geradores eólicos estão a trabalhar. Então como é? Será que só na Alemanha protestante é que é feriado?!Pelo altifalante avisam que estamos a chegar à próxima estação. Por enquanto dinamarquês parece-me assim: alemão falado com pronúncia francesa.
Infelizmente não saiu ninguém na estação, para eu me poder sentar do outro lado do corredor. Estou farta de fotografar a Jutlândia contra o sol poente.



Oooooh!
Colinas.Enchi-me de coragem e passei para o outro lado do corredor. Quer acreditem quer não: o sol também estava desse lado!
Não me digam que na Jutlândia há dois sóis, um à esquerda e outro à direita do meu comboio?
Vocês foram os primeiros a saber, aqui na Enciclopédia Ilustrada.



Ainda Jutlândia.

 

Mais do mesmo.

Em Fredericia mudei de comboio. E tenho o sol do lado certo. Quer dizer: do lado certo se estivesse a regressar à Alemanha. Algo me diz que os comboios na Jutlândia andam aos ziguezagues.
(Mais uma coisa que aprenderam aqui primeiro)




Não sei para onde vou, mas é bonito.
Infelizmente dinamarquês não é alemão com pronúncia francesa. Nada disso. É estranho estar num país onde não percebo patavina. Há muito tempo que isso não me acontecia.
A revisora olhou para o meu bilhete e falou-me em alemão. Simpáticos, estes jutlandianos.
Afinal a fotografia anterior era eu a sair da Jutlândia. Acabou-se-me a palavra mágica por hoje.
Boas tardinhas para todos, e até à próxima palavra!
Para a despedida, aqui vos deixo algumas imagens do sol a pousar sobre a Jutlândia.








6 comentários:

Catarina disse...

Ao menos distraiu-se a fotografar! : ))

V. M. Lucas Lindegaard disse...

Sobra a Jutlândia, já está. Agora, falta sobre a Fiónia. O Sul da Fiónia.

Helena Araújo disse...

E a ler também, Catarina. Foi uma bela viagem.

Helena Araújo disse...

Vítor, queria escrever hoje! Até comecei.
Mas tive de ir para o caumpo tratar da laboura antes de chegar o inverno a sério, e lá se me acabou o dia num instantinho.

jj.amarante disse...

Essa sua História da Água parece-me fraca. A precipitação por habitante em Portugal é comparável à de França conforme explico aqui: https://imagenscomtexto.blogspot.com/2019/12/precipitacao-de-agua-em-portugal.html. Se nos falta água em Portugal não é por ela não cair do céu.

Jaime Santos disse...

Tenho imensa inveja de si. Vive na melhor cidade onde já vivi e agora visita uma parte que não conheço de um outro País que muito admiro (só vivi uns meses em Copenhaga)...

Mas não trocaria o meu Porto por Berlim, bem entendido... Até porque sou adepto da tese de que não se deve voltar onde se foi feliz (e ainda menos onde não se foi)...