26 junho 2019

cinco milhões de judeus, quais cinco milhões de judeus?

No facebook alguém escreveu:
"Se guardares 27 segundos de silêncio por cada vítima do holocausto, só voltas a falar daqui a 5 anos.
Lembrei-me, agora que as sombras negras voltam a pairar."

Pouco depois alguém comentava:
"Se guardarmos 27 segundos de silêncio por cada vítima de genocídio no século XX, não sei daqui a quantos milhares de anos alguém falaria. Para cada vítima do holocausto oficial, pelo menos 10 outras morreram. Claro que a maior parte não faziam parte do povo escolhido, por isso, talvez não importem tanto... Mas há uma indústria á volta do holocausto.."

E acrescentava ainda: "
Judeus terão sido 6 milhões, mas na II guerra terão sido 75 milhões, com a URSS no topo com 24 milhões."
O que me lembra uma anedota que se contava em surdina no tempo do III Reich:

Hitler ressuscita, e os jornalistas vão falar com ele.
Hitler gaba-se: matei cinco milhões de judeus e dois suecos!
Os jornalistas, perplexos: "dois suecos"!?
Hitler: Eu bem dizia que os cinco milhões de judeus iam passar despercebidos.

Vejamos: todas as mortes causadas por violência ou estupidez política são trágicas. Uma vida é uma vida. Mas misturar no mesmo saco a tragédia da morte de tantos soldados russos e a perseguição aos judeus que o regime nazi levou a cabo é não saber o que foi o Holocausto. Comparar o Holocausto aos mortos à fome por causa do Grande Salto em Frente ou do Holodomor, ou ao que se passa em Gaza, é não saber o que foi o Holocausto. Numa síntese muito breve, a diferença é esta:
no primeiro caso, as vítimas são aleatórias e resultam de um cálculo criminosamente cínico ou criminosamente incompetente dos políticos ou regimes; no segundo caso, temos um regime que marca os cidadãos com uma estrela amarela e lhes altera o nome nos documentos de identificação para mais facilmente os apanhar; um povo aprisionado dentro do seu país, à mercê de um bando de poderosos loucos racistas, sem qualquer hipótese de conseguir escapar; um regime que persegue um povo inteiro e o quer aniquilar até ao seu último membro, fazendo listas de nomes das pessoas e da ordem pela qual as quer matar.

É óbvio que os soldados russos mortos na guerra, o Holodomor, o Grande Salto em Frente, o terrível gueto de Gaza e todas as outras tragédias que atingem a Humanidade no seu coração não são "dois suecos".
O que me interessa na anedota é a frase final: "a perseguição aos judeus vai passar despercebida". É que existe uma estratégia deliberada para apagar a memória do Holocausto, e aquele comentário no facebook é dela um bom exemplo: insinua que o Holocausto é uma "narrativa" para justificar os crimes hoje cometidos contra os palestinianos, e tenta diluir as vítimas do Holocausto no conjunto das vítimas da II GM (com o curioso detalhe de nesse número incluir até os soldados e os SS alemães).
O Hitler nem precisa de ressuscitar, tem muito quem lhe faça o trabalhinho sujo.

3 comentários:

Gato Aurélio disse...

Todos parecem ter uma agenda. E entretanto:
"Um apelo que não deixa de soar mais como alerta. Nos últimos anos, continua o Grandi, testemunhou-se à “queda abrupta da solidariedade e generosidade” para com os refugiados, derivado da linguagem “divisiva”, “especialmente em comunidades que acolhem grandes números de refugiados”."
Aqui: https://www.publico.pt/2019/06/19/mundo/noticia/refugiados-sao-ja-70-milhoes-recorde-20-anos-1876916
O umbigo da humanidade está infinito.

bea disse...

O holocausto é sem desculpa. Uma monstruosidade. Como tal, não comparável.

Conde de Oeiras e Mq de Pombal disse...


Todos os extermínios populacionais são monstruosidades sem desculpa. Como tal, não comparáveis.