09 fevereiro 2019

Berlinale 2019 - segundo dia




Systemsprenger / System Crasher, de Nora Fingscheidt - Sobre uma menina que é entregue ao sistema de protecção da infância porque a mãe não a consegue educar. Traumatizada e desesperada por amor, a miúda entra numa dinâmica de violência e leva o sistema de assistentes sociais e médicos aos limites das suas possibilidades.
A pequena Helena Zengel faz o seu papel impressionantemente bem.




Fortschritt im Tal der Ahnungslosen / Progress in the Valley of the People Who Don’t Know - Um documentário divertido e profundamente irónico sobre uma dinâmica de aproximação entre refugiados sírios e habitantes da região rural junto a Dresden.
Na RDA, chamava-se jocosamente a essa região "o vale dos que não fazem ideia" porque estava demasiado a Leste para conseguir ter acesso à rádio e à tv ocidentais. Estavam inteiramente sujeitos à propaganda do regime - e talvez isso explique em parte o facto de o movimento Pegida ter começado ali.
Depois da reunificação, a empresa de máquinas agrícolas Fortschritt ("progresso") foi fechada. Quando os refugiados começaram a chegar em grande número à Alemanha, alguns deles foram alojados nas instalações abandonadas e muito danificadas. Um grupo de antigos trabalhadores decidiu cuidar deles: nas instalações da antiga empresa ensinam-lhes alemão e contam-lhes como era a vida na RDA. Uma pessoa fica sem saber quem é mais náufrago: os sírios que falam das suas cidades destruídas ou os alemães que viveram uma vida num país que já não existe. 
O documentário tem vários momentos deliciosos. O meu favorito é o de uma aula de alemão, quando brincam em conjunto ao faz de conta numa cantina imaginária . Os alemães servem a comida e os sírios vão aprendendo frases simples, "arroz ou batatas fritas?", "estava muito bom, obrigado". No fim, o chefe dos alemães diz-lhes que se não têm dinheiro vão ter de cantar para pagar o almoço. Um dos sírios ri-se e diz aos outros que o melhor é pagar, mas acabam por se alinhar, e começam a cantar a capella um canção lindíssima que parece ser de amor mas acaba a revelar-se como lamento de saudade de um emigrante.
Os alemães também cantam: um coro de reformados entoa canções do tempo da RDA. Canções dolorosamente propagandísticas.


La arrancada, de Aldemar Matias  - um retrato em tons suaves de uma família cubana.





Grâce à Dieu, de François Ozon - Não é um grande filme, mas é um filme extremamente actual sobre o caso de um padre de Lyon que abusava de crianças, o silêncio da Igreja à volta do caso, as consequências sobre as vítimas e a terrível dificuldade de falar sobre o que lhes aconteceu. Esta história é muito recente: dentro de algumas semanas o tribunal dará o seu veredicto sobre a acusação ao cardeal Barbarin, arcebispo de Lyon.
Pessoalmente, foi-me muito penoso assistir à primeira parte do filme, quando uma das vítimas, que continuou na Igreja, tentou interpelar o arcebispo com toda a delicadeza. O modo como o bispo e a sua assistente o tentaram enrolar foi de um revoltante cinismo. A Igreja de Cristo não pode ser assim.
François Ozon escolheu um olhar neutro e sem disfarces sobre as fragilidades de todos. Também - et pour cause - as vítimas são pessoas com problemas graves, de um modo ou de outro. O filme não disfarça nem julga: ecce homo.



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