27 outubro 2018

saber escolher o certo quando tudo parece errado


Contaram-me uma vez que, antes das eleições que levaram Hitler ao poder, o comunista Ernst Thälmann terá dito "se não nos soubermos unir agora, acabaremos unidos no campo de concentração".

Quanto mais leio sobre Thälmann mais improvável me parece
esta frase ter sido dita por ele. Thälmann tinha ideias muito claras sobre o sistema político ideal, e apelava à união, sim, mas segundo as suas regras. Parece-me que era uma daquelas pessoas que têm muita dificuldade em identificar o mal menor, e não fazia concessões nem jogos de cintura. Foi um dos primeiros a ser preso e torturado como inimigo da ordem nazi que ele não soube identificar como um perigo muito mais concreto e ameaçador que os outros opositores ideológicos.
Lembro agora
Žižek, que via na possível eleição de Trump uma oportunidade de sacudir o sistema para o renovar. Vimos essa "renovação do sistema": pessoas proibidas de visitar aquele país apenas devido à sua nacionalidade, crianças separadas das famílias e metidas em jaulas, bombas enviadas pelo correio àqueles que Trump odeia, e o planeta cada vez mais próximo do colapso climático e diplomático.
Lembro o Brexit, ou mesmo o muito comezinho referendo para salvar o aeroporto Tegel em Berlim: eleitores que usam o voto para se vingarem de algo, em vez de o usar para fazer uma escolha positiva, consciente e responsável.

O voto como ferramenta de vingança é a estratégia do suicida.


Repito parte do que escrevi no facebook logo após conhecer o resultado da primeira volta das eleições no Brasil:

Estou a pensar em 1986, em Portugal: na primeira volta, o candidato da direita teve 46%, e o que ficou em segundo lugar teve 25%. Mas foi este último - Mário Soares - que acabou por vencer, com 51%. 

Na segunda volta, muitas pessoas conseguiram ignorar o ódio profundo que sentiam contra Mário Soares e votaram nele para evitar um mal maior. Ficaram célebres frases como "Se for preciso tapem a cara de Soares no boletim de voto com uma mão e votem com a outra" ou "Vamos ter de engolir um sapo".

O que aconteceu em Portugal em 1986 mostra que é possível ultrapassar as diferenças e os ressentimentos para escolher o que é realmente mais importante para a maioria da população.

Por isso acredito que o Brasil vai virar.
O seu futuro está na mão dos indecisos, dos indiferentes e dos perplexos. Esta é a hora do diálogo com os que não estão cegos e surdos pelo ódio.
Nas próximas horas, o lema é: desesperar, jamais!
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E o Ernst Thälmann?, perguntarão.

Logo após o incêndio do Reichstag escondeu-se. Foi denunciado e levado pela política política. Quase no fim da guerra, mataram-no no campo de concentração - como mataram tantos outros políticos de vários quadrantes, tantos padres porque se recusavam a obedecer às leis desumanas do regime, tantos jovens Testemunhas de Jeová porque se recusavam a fazer serviço militar, tantos judeus e ciganos porque sim, tantos homossexuais porque eram o grão de areia na engrenagem do sistema de produção de arianos, tantos escravos do trabalho forçado apanhados na rede de um regime poderoso e sem escrúpulos.

Por erros dos políticos e de um eleitorado profundamente dividido e frustrado, a Alemanha teve de passar pelo maior dos horrores para aprender a amar a Democracia, e para se dar conta de que a defesa das liberdades democráticas é empenho e responsabilidade de cada um. Nada nos é oferecido, nada está garantido para sempre. 

Mas o Brasil não precisa de reinventar a roda do horror. Vai virar.



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