19 julho 2018

verde vinho

Há dias lembraram na Enciclopédia Ilustrada a canção "Verde Vinho", de Paulo Alexandre.
Agora, quando está a chegar "aquele querido mês de Agosto" com as suas vagas de portugueses da diáspora que voltam à terra para matar saudades, este quase hino do emigrante regressa à ordem do dia. A canção mostra tão bem essa saudade sentida por quem está longe da sua casa, que nunca tive dúvidas: é inteiramente portuguesa. Mas isso foi só até ter ido morar para a Alemanha, até a ouvir na rádio, cantada em alemão. A primeira reacção foi: "ai! roubaram-nos o nosso Verde Vinho!"

Nada disso. A canção original é alemã, e refere-se aos estrangeiros que nos anos sessenta e setenta chegaram à Alemanha como resultado dos acordos entre a Alemanha e outros países (
Itália em 1955, Espanha e Grécia em 1960, Turquia em 1961, Marrocos em 1963, Portugal em 1964, Tunísia em 1965 e Jugoslávia em 1967). Em 1974, data em que surgiu o álbum, havia na Alemanha Ocidental quatro milhões de emigrantes, cerca de 7% da população total. A maior parte desses estrangeiros era constituída por turcos, jugoslavos e gregos. Muitos deles tinham feito viagens de vários dias em comboios enviados pela Alemanha sem cuidar das suas necessidades mais básicas (bancos sem apoio de cabeça, sem espaço para se estenderem a dormir), e eram alojados em barracas ou prédios sem condições (e, até 1973, com os standards mínimos definidos em função do país de origem das pessoas ali alojadas). A Alemanha chamava-lhes Gastarbeiter, "trabalhadores convidados", e via-os antes de mais como factores de produção que seriam usados temporariamente e depois devolvidos ao país de origem. Não se previa que ficassem para sempre - de facto, nem sequer estava previsto que viessem com a família. O país só estava interessado em factores de produção, e naquelas pessoas via apenas mão-de-obra. Que em breve, assim se esperava, seria substituída pelas máquinas entretanto inventadas. Mas enquanto as máquinas não vinham, vinham aqueles homens de países pobres, que - tal como os jornais começaram a alertar - ganhavam menos que os alemães, faziam inúmeras horas extraordinárias para poder enviar mais dinheiro para a família, viviam em espeluncas onde mais ninguém queria viver (e também em caves, sótãos, garagens) e pagavam rendas de casa muito superiores ao que era habitual.  

É neste contexto que surge a canção "Vinho Grego", na qual um alemão conta a história do dia em que, para fugir ao frio, entrou por acaso num bar que estava cheio de "homens de olhos castanhos" e tinha uma jukebox a tocar "música do sul". Passa-se na região industrial do Ruhr, nos anos sessenta, com emigrantes gregos recém-chegados. Ao contrário da versão portuguesa, que conta na primeira pessoa apenas a perspectiva dos tais "homens de olhos castanhos", a original é sobre um encontro entre pessoas de culturas diferentes. A canção revela aos alemães que, sob a capa de "factores de produção", existem seres humanos com uma história, com sentimentos e com necessidades.
Em 1974, cerca de uma década depois de o país começar a ser confrontado com a entrada de estrangeiros do sul da Europa em grandes vagas, está lá tudo: a empatia, a capacidade de entrar na pele do outro e de se dar conta do sofrimento e das dificuldades da sua vida. 
O álbum foi um enorme sucesso.

O que me intriga é a mudança de foco na tradução para o português: porque é que Paulo Alexandre pôs de lado este extraordinário momento de encontro de culturas e de recusa da cegueira e do egoísmo nacional, e transformou a canção numa "saudadice" pegada, focando-se na identidade dos portugueses na diáspora? Não seria muito mais rico contar em português este momento em que um "deles" viu, ouviu e entendeu o sofrimento dos "nossos"?

O texto português é conhecido. Por falta de tempo para traduzir o texto alemão, passo uma tradução para inglês que encontrei na internet:
Greek Wine


It was already dark when I walked home through the streets of the suburb.

There was a pub where there was still light pouring out onto the boardwalk.
I had time and I was cold, so I stepped inside.

Men with brown eyes and black hair were sitting there
And the music coming out of the jukebox was strange and exotic.
When they saw me one of them got up and invited me.

Greek wine is like the blood of the earth,
Come, pour yourself a glass.
And when I get sad, then it is because
I always dream of home,
You've got to excuse me.

Greek wine and the well-known songs
Pour another one
Because I feel the yearning for home again, in this city
I will forever be a stranger and alone.

And then they told me about green hills, the sea and the wind.
About abandoned women and old houses.
And about the child that has never seen its father.

They kept telling themselves, one day we'll go back
And the money saved up will be enough for a small fortune at home.
And soon nobody will think about it anymore, how it has been over here.

Greek wine is like the blood of the earth,
Come, pour yourself a glass.
And when I get sad, then it is because
I always dream of home,
You've got to excuse me.

Greek wine and the well-known songs,
Pour another one
Because I feel the yearning for home again, in this city
I will forever be a stranger and alone.



https://lyricstranslate.com/de/griechischer-wein-greek-wine.html

Greek Wine

It was already dark when I walked home through the streets of the suburb.
There was a pub where there was still light pouring out onto the boardwalk.
I had time and I was cold, so I stepped inside.
Men with brown eyes and black hair were sitting there
And the music coming out of the jukebox was strange and exotic1.
When they saw me one of them got up and invited me.
Greek wine is like the blood of the earth,
Come, pour yourself a glass.
And when I get sad, then it is because
I always dream of home,
You've got to excuse me.
Greek wine and the songs known of old,
Pour another one
Because I feel the yearning for home again, in this city
I will forever be a stranger and alone.
And then they told me about green hills, the sea and the wind.
About old houses and young women who are on their own.
And about the child that has never seen its father.
They kept telling themselves, one day we'll go back
And the money saved up will be enough for a small fortune at home.
And soon nobody will think about it anymore, how it has been over here.
Greek wine is like the blood of the earth,
Come, pour yourself a glass.
And when I get sad, then it is because
I always dream of home,
You've got to excuse me.
Greek wine and the songs known of old,
Pour another one
Because I feel the yearning for home again, in this city
I will forever be a stranger and alone.







(fonte dos dados acima: https://www.boeckler.de/pdf/p_wsi_report_16_2014.pdf)

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