02 junho 2018

le paradis, c'est les autres


Ontem senti-me a pessoa mais organizada de mim própria: fiz a mala várias horas antes de sair (e lutando com esforço sobre-humano para conseguir meter camisolas quentes quando estava a morrer de calor), aviei a to-do list como se não houvesse amanhã (emboramente: se não houvesse amanhã, podem ter a certeza que a última coisa que fazia era aviar a to-do list), plantei os rebentos novos de courgette, ervilhas de quebrar, feijão-verde e abóbora, tratei da plantação de tomate (estou a preparar-me para abastecer meia Berlim), reguei tudo abundantemente, e saí para o aeroporto sem atraso nem nada (mas com as unhas um bocadinho enfim como direi). Ao chegar ao aeroporto começou a chover, e comentei que chove sempre no sítio errado - a chuva havia de cair era na minha quintinha, para me poupar trabalho e água da companhia.

No aeroporto correu tudo muito bem, mas foi só até ao momento de tentar entrar. Não era possível. A porta C estava fechada, a A estava bloqueada por causa de alagamento dentro do edifício, a B e a D estavam abertas mas as filas para a segurança eram enormes. Fiquei na C, porque havia pouquíssimas pessoas à espera para entrar (nota mental: ler algum trabalho sobre inteligência do cardume). A pouco e pouco fomo-nos apercebendo do que estava a acontecer: por causa do temporal (que temporal? eram só uns pingos de chuva e um ou outro trovão...) o aeroporto tinha cessado os trabalhos às 17:30. Quem já estava dentro dos aviões ficou à espera de haver autorização para descolar, quem estava no aeroporto ficou à espera de poder entrar no avião, e quem estava fora - como eu - não conseguia entrar porque os controlos de segurança estavam fechados. Na porta C apagaram as luzes. Tivemos esperança que fosse apenas poupança de energia, mas não: era mesmo um problema no sistema eléctrico, que falhou em várias partes do aeroporto, pondo o pessoal a usar telefones e megafones para gerir aquela situação de crise. Na minha fila já estávamos todos amigos: fazíamos apostas sobre a hora de reabertura (prémio: vinho branco para todos, para esquecer), tomávamos conta das bagagens uns dos outros enquanto alguém ia ver se conseguia mais informações, contávamos da nossa vida. Às tantas, os outros decidiram desistir, e foram todos para o centro, beber o vinho branco no bar de vinhos do irmão de uma das passageiras e continuar a conversa trocista sobre o aeroporto da capital da Alemanha e sobre a famosa organização alemã. Se não fosse por causa do Chico, regressava a casa, ao calor, aos banhos no lago. Mas é o Chico: nem pensar em abandonar a última esperança. Fiquei sozinha, fui para outra porta, tentei desesperadamente avisar o rent-a-car no Porto de que ia chegar tardíssimo ou talvez nem isso. Finalmente abriram os controles de segurança, deixaram-nos entrar, e deparei com o quadro de aviso de partidas, cheio de voos cancelados, alguns aberto, e a linha do avião do Porto parada num vago "information follows". Ia apanhando um torcicolo de tanto virar a cabeça a verificar se já havia informação. Cheguei às duas da manhã, e os senhores do rent-a-car já tinham ido embora.
Esta história tem duas morais:
- Século XXI, poderio económico, progresso, tecnologia, tudo - e depois vem a natureza e diz-te quem manda.
- Quando tudo desaba à tua volta, fazes alguns telefonemas e de repente sentes como se adensa a rede que te segura. O Sartre não sabe nada - les autres, c'est le paradis.


2 comentários:

Lucy disse...

e o Chico?

Helena Araújo disse...

O Chico?
Aaaaaaaaaaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiii :)