11 fevereiro 2018

"ouro" (1)

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A tradição de pintura religiosa bizantina pintava o céu com ouro. O mais precioso dos metais como símbolo de um lugar de transcendência, e também como símbolo da valiosa morada de Deus, dos santos e dos que têm a sorte de viver a sua eternidade junto deles. Há inúmeros quadros medievais de Maria, por exemplo, em que o seu chão é o nosso mundo, e o céu é dourado. Deixo aqui um quadro de Duccio (1255-1319) como exemplo. Giotto, seu contemporâneo, foi o primeiro pintor italiano a afastar-se da tradição bizantina e a pintar o céu em azul. Esta evolução dever-se-á também à revolução de São Francisco, que traz a natureza para o centro do religioso.

Quase um milénio depois, surge na Borgonha uma comunidade ecuménica. É Taizé, para onde todas as semanas se dirigem milhares de jovens das Igrejas católica, evangélica e ortodoxa. Talvez por respeito à tradição bizantina e para regressar simbolicamente a um tempo anterior às várias divisões dos cristãos, ou talvez apenas por ser uma cor festiva e alegre, muito própria do ambiente que se vive em Taizé, o altar está revestido com grandes faixas de pano cor de laranja.
"O cor de laranja é o ouro dos pobres", disse-me um dos irmãos.




[ Troca de comentários com uma colega enciclopedista:
- Klimt reproduz, precisamente, nos seus quadros dourados, esta época.
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Bem, sei pouquíssimo de Klimt, mas não o imaginava nada a fazer uma leitura teológica do quotidiano, e a ver a transcendência divina no retrato de uma burguesa, no beijo de dois amantes, no carinho de uma mãe. Mas sim, pode ver-se esse dourado nessa perspectiva.
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O divino no seu sentido mais lato. ]

1 comentário:

jj.amarante disse...

Obrigado por essa explicação do uso do ouro como côr do verdadeiro céu que me parece por um lado bastante esclarecedora, o ouro como coisa preciosa que abunda por todo o lado no Paraíso, embora por outro se preste a uma interpretação menos lisonjeira, da continuação do fascínio pelo ouro, o vil metal, mesmo na vida eterna.
Tenho fascínio pelas figuras bizantinas, acho graça àquelas representações tão esquemáticas, e o fundo dourado não é exclusivo de Bizâncio, localizei o quadro que mostra aqui (https://www.nga.gov/collection/art-object-page.282.html ), trata-se de "A chamada dos apóstolos Pedro e André" (1308-1311), por Duccio di Buoninsegna (Siena ~1255,~1319). Achei que as caras do quadro que mostra são mais realistas do que as tipicamente bizantinas e reconfortou-me constatar que tinham sido pintadas em Itália.
Mas a inovação da representação do azul (cor que tem muito que se lhe diga, como comentei em http://conversa2.blogspot.pt/2013/05/ikb-49.html) do céu de Giotto, que interessante referir S.Francisco de Assis, não foi abraçada logo por toda a gente, passados quase 100 anos (o que é isso para quem já viveu mais de meio século) o Lorenzo Monaco ainda pintou a "Coroação da Virgem" em 1414 com céu dourado que está aqui https://en.wikipedia.org/wiki/Coronation_of_the_Virgin_(Lorenzo_Monaco) ) e também na galeria dos Uffizi em Florença.
E estes meus parágrafos longos devem ser devidos a ter lido recentemente um livro do José Cutileiro e eu ser, como se constata, muito influenciável.