18 janeiro 2018

Kafka na Rússia

Traduzo do blogue de Wladimir Kaminer:

Talvez afinal nem tudo fosse mau na RDA - a discussão não tem fim. Até amigos dos meus filhos, que nunca estiveram na RDA, ouviram os pais dizer que dantes havia mais justiça social e mais solidariedade. Faltavam outras coisas sem importância, mas ninguém lhes sentiu a falta. No meu país discute-se ainda mais acesamente sobre o passado soviético. Nós fomos ao espaço e lutámos pela paz mundial, dizem uns. Não havia fraldas descartáveis, nem iogurtes, nem Kafka, rebatem os outros.

Bom, em vez de iogurtes era possível comprar latas de leite condensado açucarado e pô-las a cozer no fogão durante duas horas, até o leite se transformar numa pasta acastanhada que os miúdos adoravam. Às vezes a lata explodia, e era preciso pintar a cozinha de novo. Sobre as fraldas descartáveis não há consenso nem sequer no Ocidente, diz-se que sem elas as crianças tornam-se mais rapidamente seres adultos e disciplinados. Com Kafka é que as coisas foram mais complicadas. Ele não entendeu a dialéctica marxista e não identificou as verdadeiras contradições do capitalismo, o que explica a sua visão sombria - opinavam os nossos ideólogos. Grandes autores do Ocidente, Gabriel Garcia Marquez, Jean Paul Sartre e Heinrich Böll, admiravam-se por Kafka não estar traduzido para russo. O seu momento chegou no fim dos anos sessenta, já havia um livro no prelo, mas de repente os tanques soviéticos avançaram na direcção de Praga e a edição foi liquidada. Só com Gorbatschow é que Kafka apareceu em russo, juntamente com iogurtes e fraldas descartáveis, e estragou os cidadãos.  Hoje em dia, o governo tenta meter a marcha à ré, mas não a encontra. Enfim, os iogurtes podem ser devolvidos, e de qualquer modo não há consenso sobre as fraldas descartáveis. Mas como conseguir tirar Kafka da cabeça das pessoas, isso é que o governo não sabe.


Um blogue, já se sabe, é uma sequência de pequenos textos. Agarrem-me, que li o que estava a seguir a este e apeteceu-me também traduzir, e mais o terceiro e mais o quarto...

Traduzo apenas mais este (e dedico esta tradução ao Trump, que acabou de anunciar os Fake News Awards de 2017):


A destruição dos media russos críticos do poder foi uma das guerras em que o presidente maior sucesso teve. As pessoas não se devem irritar desnecessariamente, em vez disso devem concentrar-se naquilo que é realmente importante na vida. Hoje em dia, é este o aspecto do quiosque de jornais russo: flores, gatos, Putin.


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