12 outubro 2017

fujam todos! o Robespierre hoje baixou no João Miguel Tavares, mas veio zarolho

Hoje o João Miguel Tavares acordou Robespierre. À boleia da acusação do Ministério Público a Sócrates sugere uma limpeza geral: para além dos 28 arguidos da operação Marquês, acusa todos os que apoiaram Sócrates - e até menciona os 1 568 168 portugueses que votaram nele em 2011, quando já deviam estar avisados (avisados daquilo que uma investigação com os meios da Operação Marquês levou todos estes anos para mostrar, mas adiante).  

Esperemos que amanhã acorde mais calmo. Pode ser que consiga então dar-se conta de que em política (e até na vida) as coisas não são 1 ou 0, que votar PS em 2011 (ou em 2005 ou em 2009) não é equivalente a ser groupie do Sócrates, que fazer parte de uma equipa política ou governativa de Sócrates não é sinónimo de fazer parte ou sequer ter conhecimento de algum esquema de corrupção, e que não é sério aproveitar-se do momento em que a teia manipuladora do capital sobre o poder político se torna visível para atacar apenas as pessoas à volta de Sócrates. Se é para ser Robespierre, então vá até às últimas consequências. Não vale ser um Robespierre que vê de um olho só.

E também pode ser que um dia destes, quando acordar um pouco mais calmo, possa explicar por que motivo decidiu incluir nesta sua crónica a questão do pedido de desculpas que o nosso país deve aos povos que explorou e desgraçou. É que uma pessoa com a experiência de João Miguel Tavares não pode ignorar que ao associar um dos lados de um debate - sobre algo que não tem nada a ver com o tema desta crónica - às pessoas que acusa de burrice ou desonestidade e que quer ver "cair com Sócrates" está automaticamente a desprestigiar aquela posição no debate.


***

Alguns excertos da crónica:

"Neste momento marcante da História de Portugal, em que um ex-primeiro-ministro é acusado de 31 crimes de corrupção, fraude fiscal, branqueamento de capitais e falsificação de documento, convém recordar que José Sócrates não caiu da tripeça por causa dos portugueses, que finalmente perceberam quem ele era. Caiu por causa da crise internacional, da falência do país e da vinda da troika. Sócrates obteve 36,6% dos votos em 2009 (mais de dois milhões de pessoas), já depois da revelação da licenciatura fraudulenta e das manobras para impedir a publicação de notícias; já depois da exibição do DVD do caso Freeport onde Charles Smith declarava que ele era corrupto; já depois de correr com Manuela Moura Guedes do programa de informação mais visto da TVI por não apreciar o estilo e as reportagens."

"Sócrates foi um extraordinário caso de popularidade, não só entre o povo, mas sobretudo entre as elites. E são estas elites que hoje em dia me preocupam, porque os ex-apoiantes de Sócrates continuam por aí como se nada fosse, nos blogues, nos jornais, nas empresas, no PS, no governo. Muitos dos que acham que os portugueses têm o dever moral de pedir desculpa por acontecimentos do século XVII, não vêem qualquer necessidade de pedir desculpa por acontecimentos de 2017. Não há qualquer acto de contrição por terem apoiado incansavelmente um homem que a cada três meses era suspeito de fraude, corrupção e atentado ao Estado de Direito, e que nunca, jamais, apresentou qualquer justificação decente para aquilo de que era acusado."

"É sobre Sócrates, sobre Salgado, sobre Vara, sobre Bava, sobre Bataglia, e sobre um regime construído por inúmeros ex-socratistas, que agora saem de cena na esperança de que esqueçamos o papel que desempenharem ao longo dos anos. Eu não esqueço. Aqui estarei para lembrar que Sócrates não ascendeu sozinho, não governou sozinho e, acima de tudo, não merece cair sozinho."


8 comentários:

Manuel Rocha disse...

Bem, numa coisa o homem tem razão : Sócrates não governou sozinho ! E esse é o lado mais estranho da crónica desta acusação.Dado que um PM não adjudica obras, não assina cheques, não participa em assembleias municipais ou de accionistas, não havia mais ninguém além de Vara que funcionasse como correia de transmissão das suas directivas ? Ninguém sabia de nada, ninguém partilhou nada, ....O Director da Parque Escolar, p.e., através da qual, diz-se, JS teria beneficiado o G. Lena, também não sabia de nada ?! Muito estranho !

Helena Araújo disse...

Não vou perder tempo a fazer conjecturas sobre as pessoas à volta de Sócrates.
A Justiça que faça o seu trabalho, e depois diga os resultados.
Para já, são 28 arguidos. Se o director da Parque Escolar - para usar o seu exemplo - não está entre eles, é porque não encontraram nada de que o possam incriminar - certo?
Não sou eu quem vai começar a insinuar que ele tem de estar feito com os outros.

Manuel Rocha disse...

A única coisa que eu insinuo é que, para usar o seu exemplo, se não encontraram nada que incrimine quem adjudicava os contratos, não percebo como é que encontraram com que incriminar quem não o fez. Mas admito que me possa ter expressado mal, pois vejo que não entendeu onde eu queria chegar.

Manuel Rocha disse...

«A Justiça que faça o seu trabalho, e depois diga os resultados.»

Pois é isso mesmo que está a acontecer. Só que os resultados não são grande coisa, e há muito quem diga que não temos nada a ver com isso.
Se este processo tem servido para alguma coisa, tem sido para mostrar à saciedade a pesporrência que campeia na "justiça", postura que afecta diariamente milhares de anónimos apanhados nas suas teias e sem espaço nos média. Conheço um casal com a vida desfeita graças a um processo que teve origem no facto de não ter a saída de emergência assinalada num estabelecimento que tinha 9 m2 de área coberta e o resto é esplanada. Em Odemira, envelhece na clausura uma senhora acusada do homicídio da filha, graças a uma confissão comprovadamente arrancada à chapada, sendo que do suposto cadáver,nem rasto. Neste caso da acusação a JS, temos um telhado construído literalmente no ar e para o "ar", que é como quem diz para as TV's. Se optarmos por continuar a esperar impávidos por "resultados" destes , para que nos serve a cidadania ?

CCF disse...

E o BPN? A corrupção não começou aqui...mas na crónica dele até parece.
~CC~

Luís Serpa disse...

O JMT está cheio de razão. De resto como habitualmente. Aquilo que se sabia do Sócrates quando foi reeleito era mais do que suficiente para não o reeleger.

Quanto aos povos que Portugal explorou: (é um tema que me aborrece ao mais alto ponto, dada a sua inutilidade, "ar do tempo" palerma e extensa superficialidade): talvez não fosse má ideia incluir na balança o que Portugal trouxe de bom a esses povos; e perguntar se eles próprios não colonizaram e exploraram outros. E interiorizar os feitos de diacronia, assíncrona e sincronia. São três conceitos importantes quando se discute história.

Manuel Rocha disse...

" Aquilo que se sabia do Sócrates quando foi reeleito era mais do que suficiente..."

Evidentemente! Então não é óbvio que o sol gira em torno da terra? Se toda a gente vê...

Helena Araújo disse...

Bem, se o Luís Serpa afirma que o JMT está cheio de razão, o assunto está encerrado. Ponto final, parágrafo.

Quer dizer: vírgula. É que se o JMT está coberto de razão quando afirma que a máquina do partido devia ter reagido mal se começou a iyvur zum-zuns, gostava de saber o que é que o PSD devia ter feito quando se soube das acções do BPN do Cavaco, ou da permuta da casa da Coelha, ou como é que o CDS devia ter feito com o Portas quando se começaram a ouvir zum-zuns relativos aos submarinos.
Depois de 4000 páginas de processo de acusação é relativamente fácil ter certezas. O problema é antes, é quando se ouvem os zum-zuns. E isso, infelizmente, ouve-se em relação a vários políticos. E cada vez mais. A perseguição com base em rumores vai de vento em popa. Tinha graça se cada político sobre o qual há rumores fosse afastado. Só sobrava o porteiro - e mesmo esse...

Quanto ao assunto que aborrece muito o Luís Serpa, o papel pioneiro e muito activo de Portugal no negócio de levar africanos para trabalhar como escravos nas Américas:
- fantástica ideia essa de considerar também o bem que Portugal fez para compensar a enomre tragédia (com efeitos até aos nossos dias) que provocou - nem sei como é que não me lembrei disto...
- perguntar se eles próprios não colonizaram e exploraram outros é um golpe cobarde e de mau carácter. Um país que queira estar de bem consigo próprio e com os outros não pode desculpar os erros que cometeu recorrendo a tão repugnante falácia;
- isso de "interiorizar os feitos de diacronia, assíncrona e sincronia" é uma modernice muito recente, não é? É que não me lembro de terem sido conceitos interiorizados pelo Vaticano quando pediu desculpa por dois mil anos de perseguição aos judeus, ou quando reconheceu o erro de ter recusado as teorias de Galileu. E logo o Vaticano, que tem tanta gente especialista em História. Se calhar é por terem ainda mais gente especialista em Moral e em Ética. Se calhar outros valores se ergueram mais alto que a "diacronia, assíncrona e sincronia".