12 setembro 2017

isto é connosco

(fonte)

Li algures a sugestão de que se dê aos furacões o nome de políticos que se opõem aos esforços mundiais para lutar contra o aquecimento global. As notícias passariam a ser assim: O furacão Trump causa mais de trinta mortos com inundações sem precedentes em Houston. Ou: O furacão Trump destruiu 95% das casas de Barbuda. Toda a população da ilha está a ser evacuada.


A ideia tem muito interesse, mas temos de ir mais longe. Dizer que a culpa é do Trump é demasiado fácil. Isto não é apenas responsabilidade dos políticos, isto é antes de mais responsabilidade das sociedades que querem ter determinado nível de vida sem se preocuparem com as consequências para o planeta, e exigem que os seus políticos lhes garantam empregos, desafogo económico, vida boa. Os furacões são consequência do somatório das nossas decisões de andar de carro em vez de bicicleta ou transportes públicos, de recusar perder empregos com o encerramento de actividades económicas mais poluentes, de comer toda a carne que apetece, de ir passar fins-de-semana em Nova Iorque só porque o bilhete de avião estava barato. Isto somos nós a querer manter e melhorar o nosso nível de vida e o nosso conforto mesmo que isso provoque custos terríveis para o planeta. E são os pobres de todo o mundo a querer viver como nós.

Por isso, proponho que, em vez do nome dos políticos, os furacões tenham o nome dos países que mais contribuem para o aquecimento global: China em vez de Harvey ou Trump. China, EUA, Índia, Rússia, Japão, Alemanha, Irão, Coreia do Sul, Canadá, Brasil.

No entanto, esta atribuição de culpas tem um erro grave: não considera a dimensão populacional dos países. Melhor seria trabalhar com os números per capita. É óbvio que a China e a Índia têm de estar no topo da lista dos países que mais poluem, porque são os que têm maior população (4 vezes mais que os EUA, que vêm em terceiro lugar nessa lista). Mas será que um chinês polui mais que um europeu? Se, em termos per capita, os chineses poluem menos que os alemães, porque é que é dos chineses que se espera que mantenham um nível de vida mais baixo? Sim, bem sei porquê, mas há aqui uma injustiça e um egoísmo flagrantes.

O esforço para salvar o planeta terá de passar necessariamente pela alteração dos hábitos de consumo nos países mais ricos, pelo corte radical nos transportes de pessoas e mercadorias, e por uma ajuda efectiva dos países mais ricos aos mais pobres, para que estes possam melhorar a economia sem pôr em causa o precário equilíbrio da Natureza.

Mas será que estamos dispostos a mudar e a abdicar do nosso conforto? E seremos capazes de o fazer voluntariamente sem críticas e ressentimentos contra aqueles que não fazem os mesmos sacrifícios que nós? E teremos a coragem de fazer uma espécie de plano Marshall para salvar o planeta? E saberemos aceitar um empobrecimento relativo sem termos derivas nacionalistas e xenófobas?


12 comentários:

Manuel Rocha disse...

Sabe, eu partilho as suas preocupações . Poderei não ir tão longe qt v vai ( p. e., quando acha que o planeta precisa de ser "salvo", pois não sei bem o que isso significa , nomeadamente se não somos nós quem precisa de ser "salvos"... ) mas apoio tudo o que seja investimento em modos de vida sustentáveis, i.é, que não sejam predatórios dos recursos e cujos balanços energéticos não sejam catastróficos ou assentes em fontes não renováveis. Mas, posto isto, diga-me sff: que têm os furacões a ver com esta discussão ?!

Se , antes de responder, quiser passar os olhos por isto ...: http://www.meteofrance.gp/documents/3714888/48867132/Pr%C3%A9vision+saisonni%C3%A8re+8+juin+2017+v2/fe976136-f553-4708-af70-c2ec156bff8a

( sugiro especial atenção à fig 6 e à tabela final...) ; ou por isto : http://www.nhc.noaa.gov/outreach/history/

....

Cump.


Helena Araújo disse...

"Salvar o planeta": para além da humanidade, preocupa-me também o equilíbrio planetário. Esta semana informaram que o Mar do Norte está a aquecer mais depressa que os oceanos, e que o bacalhau está a desaparecer daquelas águas. Preocupa-me muito mais o ecossistema do Mar do Norte do que a consoada dos portugueses.

Porque é que me mostrou as previsões da Meteo France? Essas previsões, de 9 de Junho de 2017, contavam com uma actividade moderada ou ligeiramente superior ao normal dos últimos 30 anos. Três meses depois, a realidade foi o que se viu: as inundações em Houston provocadas pela combinação da intensidade e da lentidão do Harvey, ou a desvastação provocada pelo Irma, que quebrou vários records: ventos de 300 km e duração de 37 horas, a maior energia acumulada alguma vez medida naquela região.
Traduzo um comentário de C. Letchford, investigador do clima (http://www.zeit.de/wissen/umwelt/2017-09/hurrikane-klimawandel-irma-jos-harvey-wirbelsturm-interview-klimaforschung-statistik):
"Os modelos do clima prevêm este desenvolvimento, e é também o que se espera contando com tudo o que se sabe sobre atmofera, mares, sol, efeito estufa e fenómenos globais relativos ao tempo e ao clima.
Mas precisamos de esperar até pelo menos 2050 para ter mais segurança estatística. Calculo que em 2100 já teremos resposta para todas as perguntas. Tudo indica que as alterações climáticas afectam as tempestades tropicais. Só nos falta uma prova com base estatística.

Não é grande ideia esperar pelas provas estatísticas, pois não?

Manuel Rocha disse...

Cara Helena Araujo,

Enviei-lhelink das previsões de Meteo France por várias razões:
1. A primeira para ilustrar que nada do que se está a passar está fora das previsões. Contrariamente ao que sugere, e conforme pode verificar na sintese de previsão que consta no final do referido relatório, ( desenvolvidas por diferentes entidades )foram previstos entre 1 e 5 ocorrências de furacões de grande intensidade ( Categoria igual ou superior a 3 )
2. A segunda para ilustrar que históricamente, e ao contrário do enunciado no seu subtexto, não há qualquer alteração da tendência. A Fig 6, para cuja leitura solicitei a sua atenção, ilustra bem este ponto, verificando-se que na “fase positiva” dos anos 50/60 do século passado se registaram inclusivamente picos que não se observaram ainda na presente fase.
3. A terceira razão foi a linguagem cientifica e o conteudo geral do relatório. Com uma sobriedade que devia ser apanágio da arte, fala dos niveis de incerteza associados à previsão metereológica e das hipoteses de correlação ( repare que não fala de causalidade...) entre as tempestades tropicais do Atlântico e as oscilações decanais do Pacifico (El Niño/ La Nina) e do Atlântico, fenómenos cujo funcionamento e impactos estão razoávelmente identificados mas cujas causas continuam a estar longe de estabelecidas.
Quanto às restante observações que faz, tenho algumas questões.
1. Acha mesmo que os efeitos do Harvey têm tudo a ver com a intensidade do furacão em si e nada a ver com as opções de ocupação de espaço e de ordenamento da região de Houston ? Reformulo com uma questão menos genérica ainda: acha mesmo que as inundações na baixa de Albufeira não têm a ver com a construção de ruas, casas ( e até caves ...) no leito duma ribeira e são também elas consequência da alterações climáticas ?
2. Sobre os "records" que se dizem ter sido “quebrados”. Já reparou que os sistemas de medição em uso só começaram a ser operacionalizados na década de 60 do sec passado? Como é que se pode falar em “records” , ou usar expressões como “de sempre” ou “sem precedentes” , sem identificação de um período temporal e sem referencias objectivas directamente comparáveis nos acontecimentos anteriores à década de 60 do sec passado?
3. Já reparou que o aquecimento do Mar do Norte que refere não está em linha com as previsões associadas á teoria do AGW? Uma das hipoteses avançadas pela teoria GW vai do sentido de prever um clima mais frio nas regiões do norte da europa como consequencia de alterações na corrente quente do golfo, provocadas pela alteração da salinidade do atlantico norte, que por sua vez resultaria da fusão dos glaciares da Gronelância que o aquecimento global induziaria. Portanto, em que ficamos ?
Termino que já me alonguei demasiado. Concordo em absoluto consigo quando diz que não precisamos de esperar cem anos para fazer coisas óbvias, tais como não construir em leitos de cheia, em linhas de costa ou em solos de elevado potencial agrícola; concordo que não precisamos de esperar cem anos para fazer qq coisa qt ao consumo na Europa de horto fruticolas transportados por via aérea desde a América do Sul ou de borregos da Oceania; concordo em mil outras pequenas coisas que podem fazer toda a diferença no sentido de uma sociedade melhor e mais harmonizada com o meio que habita; o que não concordo é que precisemos de invocar uma ciência por fazer ( como bem diz o cientista que refere só lá para não sei quando é que estas coisas poderão( ou não...) ser provadas ) . E não concordo por uma razão muito simples: como a ciência não é matéria de fé, a adopção de crenças de indução cientifica que depois não se confirmem, pode resultar no descrédito da ciência. E isso não me parece bom para ninguém.

Cumprimentos e desculpe a extensão.



Manuel Rocha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Helena Araújo disse...

Obrigada pelo seu comentário!

Vamos lá pelos seus pontos:
1. Passo. Não leio o gráfico dessa maneira.
2. O gráfico relativo a ACE (Accumulated Cyclone Energy) que vem no artigo do jornal Die Zeit mostra que a energia acumulada está a aumentar a olhos vistos. Pode não se saber o motivo desta alteração, mas há uma alteração de tendência no que diz respeito à intensidade.
http://www.zeit.de/wissen/umwelt/2017-09/hurrikane-klimawandel-irma-jos-harvey-wirbelsturm-interview-klimaforschung-statistik/komplettansicht

Sobre as suas perguntas:
1. Sim, o Harvey incidiu sobre uma região que é um erro brutal de planeamento urbano. Mas isso não muda nada da questão que aqui me trouxe, que é a do aquecimento climático.
2. "Sem precedentes" subentende, obviamente, o período disponível de observação.
3. Não sei em que ficamos, porque estou muitíssimo longe de ser especialista na matéria. Mas vemos todos que as coisas estão a mudar rapidamente - já há mosquitos africanos na Alemanha, o bacalhau está a desaparecer do Mar do Norte, etc. - e que temos de levar muito a sério todas as hipóteses que apontem para responsabilidade humana nesta situação.
Daqui a cinquenta anos, a pergunta que os nossos netos farão não vai ser sobre estatísticas e provas científicas, mas: "porque é que vocês não fizeram tudo o que estava ao vosso alcance para impedir esta tragédia?"
Dito de outro modo: a partir do momento em que a Ciência se põe seriamente a hipótese de este tipo de fenómenos naturais acontecer com mais frequência e com valores mais extremos, e se põe seriamente a hipótese da responsabilidade humana nestas alterações, o que está em causa é demasiado grave para ficarmos à espera de confirmações científicas absolutas.

Manuel Rocha disse...

Cara Helena Araujo,

Quando misturamos no mesmo debate a critica aos impactos da acção humana sobre o ambiente e o debate sobre o estudo cientifico do clima, é dificil não nos perdermos, pois é muito fácil que a componente emocional tenda a liderar o processo.
Ora os estados d’alma não são critério de qualidade em ciência. A ciência alimenta-se num continuo de conjectura e refutação, e só progride enquanto assim se mantiver, tendo a noção de que o conhecimento do mundo que produz é sempre transitório e tanto mais imperfeito quanto mais limitada for a quantidade/ qualidade da informação disponivel.
Se uma equipa de cientistas lhe apresentasse uma projecção da evolução prevista para a diabetes na Alemanha, tendo por base a análise da incidencia da doença no bairro que vc habita, decerto a Helena Araujo iria recebé-la com o maior dos cepticismos. E no entanto está disponivel para aceitar como boas as ilacções sobre as tendencias das tempestades tropicais com base em estudos de dados cuja recolha fiável não tem mais de 50 anos !
«In the early years of the data set, there is a high likelihood that some tropical storms went undetected, as observations of storms were made only by ships at sea and land-based stations. Storm detection improved over time as ship track density increased, and, beginning in 1944, with the use of organized aircraft reconnaissance (Jarvinen et al., 1984). It was not until the late 1960s and later, however, when satellite coverage was generally available, that the Atlantic tropical cyclone frequency record can be assumed to be relatively complete…»
Fonte : https://www.epa.gov/sites/production/files/2016-08/documents/cyclones_documentation.pdf
Ou seja: os bons cientistas até estão cientes das limitações da informação de que dispõem. Mas a forma como a ciência é mediada nunca as refere, e tende sistemáticamente a divulgar hipoteses explicativas como se fossem conclusões. E quando é apenas isso, do mal o menos, pois o que não falta é desinformação. Um dos exemplos é a questão dos mosquitos que a Helena refere. (http://www.aei.org/publication/climate-change-and-mosquito-borne-disease/ ; https://www.spectator.co.uk/2009/12/the-inconvenient-truth-about-malaria/ )
Entretanto instalou-se na esfera publica e tb nas Academias uma narrativa cujas implicações deviam preocupar muita gente. Para um académico da actualidade que queira desenvolver qq investigação no ambito das ciencias da terra, tornou-se tão importante declarar-se adepto das teses do AGW como seria pertencer à ANP nos tempos do Dr Salazar. Dou-lhe exemplo.Um investigador desta casa concorreu no ano passado a uma bolsa europeia para pos-doutoramento tendo por projecto a avaliação de impactos das novas tecnicas de regadio na conservação dos solos do Alentejo. Nem aos finalistas chegou. Este ano recandidatou-se com o mesmissimo projecto, mas incorporando no texto revisto da candidatura 28 mensões às AC’s e 17 ao AGW. A candidatura foi a melhor classificada das aprovadas.
Concluindo: reitero a minha total empatia com a sua agenda; mas penso que sobram motivações bem prosaicas para a implementar, antes de enveredarmos pela especulação.
Obrigado pela polémica.


Helena Araújo disse...

:)
Parece-me que estamos preocupados com coisas diferentes. A partir do momento em que a Ciência equaciona uma hipótese muito séria de haver responsabilidade humana no aquecimento global e deste aquecimento na "descalibração" da natureza, o que me preocupa não é deixar à ciência todo o tempo necessário para testar as hipóteses, mas tomar medidas agora. Porque não temos 30 ou 50 anos para esperar pacientemente que a ciência chegue a uma conclusão definitiva.
O que é pior para nós? Travar e inverter hoje a acção humana que - alegadamente - está a ter efeitos sobre as alterações nos fenómenos naturais, e daqui a 50 anos vir a saber que uma coisa não tem nada a ver com a outra, ou não fazer nada e daqui a 50 anos vir a saber que a culpa era em grande parte da acção humana e se tivéssemos agido atempadamente podíamos ter ainda evitado o pior?

Compreendo a sua posição - é fundamental alertar para a necessidade de a Ciência continuar o seu trabalho de forma independente e sem pressões. Mas o que me preocupa realmente é o que devemos fazer hoje, perante a hipótese de que o que está a acontecer ao planeta seja responsabilidade dos humanos. Mesmo que ainda nem sequer esteja comprovado cientificamente que está a acontecer alguma coisa ao planeta, porque ainda só compilámos dados sobre os últimos 60 anos.

Sobre a pressão para ser adepto das teses da AGW: está-me a dizer que as pessoas são pressionadas para investigar prioritariamente esses temas (o que se compreende) ou que são impedidas de ter um pensamento científico independente?

Manuel Rocha disse...

« Sobre a pressão para ser adepto das teses da AGW: está-me a dizer que as pessoas são pressionadas para investigar prioritariamente esses temas (o que se compreende) ou que são impedidas de ter um pensamento científico independente?»
Estou a dizer ambas, pois uma implica a outra. A independencia ( ou `à falta dela ...) do pensamento cientifico é um problema transversal a toda a ciência. As pessoas investigam ( e cada vez mais...)aquilo que há dinheiro para investigar ( pois fazer ciência é cada vez mais caro...). Só não foi assim enquanto a ciência se limitava a ser uma espécie de hobby de aristocratas ricos.
« Mas o que me preocupa realmente é o que devemos fazer hoje, perante a hipótese de que o que está a acontecer ao planeta seja responsabilidade dos humanos. Mesmo que ainda nem sequer esteja comprovado cientificamente que está a acontecer alguma coisa ao planeta, porque ainda só compilámos dados sobre os últimos 60 anos. »
Repare: qualquer caloiro das ciências da terra deveria chumbar logo no primeiro semestre se não fosse capaz de entender que se há coisa que hoje é pacifica no estado da arte, é que nunca deixaram de acontecer “coisas” ao planeta e que a ideia de “equilibrio natural” nunca passou de uma péssima metáfora sem nenhuma adesão à realidade. Continentes que derivam, glaciares que ora recuam ora avançam, espécies que aparecem, se devoram e desaparecem....e por aí adiante. Aliás, ainda há pouco tempo, numa acção de formação que organizamos para profs de bio-geo do secundário, vários deles me davam conta da dificuldade que tinham em gerir o sentimento de
ridiculo que os assaltava quando, depois de falarem de todas essas mudanças, chegavam ao capitulo das AC’s e tinham de assumir em subtexto um raciocinio que tem implicita a ideia de que chegamos ao “destino” de toda essa dinâmica e, a apartir de “agora”, mais nada pode ( deve ) mudar!
Que o homem impacta nessa equação ? Evidentemente! E de que maneira! Toda a paisagem da Europa, p.e., é uma artificialização de indução humana. Isso tem impactos micro-climáticos bem documentados e é provável que tenha também algum tipo de impacto macro climático. Qual ao certo é que permanece “a billion dollar question.” Agora, e aí convergimos totalmente, isso não implica que nada se faça quanto ao disparate de continuar a pensar a mobilidade em termos de transporte individual e motores de combustão interna, que se insista em (des)ordenar os litorais das formas que estão à vista, que se persista na multi-embalagem e no plástico, que não se standarizem carregadores e baterias de telemóveis....etcccccccccccc
:)

Helena Araújo disse...

OK, está bem.
E agora suponha-se que o presidente de um dos países mais poluentes do mundo diz que "qualquer caloiro das ciências da terra deveria chumbar logo no primeiro semestre se não fosse capaz de entender que se há coisa que hoje é pacifica no estado da arte, é que nunca deixaram de acontecer “coisas” ao planeta e que a ideia de “equilibrio natural” nunca passou de uma péssima metáfora sem nenhuma adesão à realidade. Continentes que derivam, glaciares que ora recuam ora avançam, espécies que aparecem, se devoram e desaparecem....e por aí adiante. Que o homem impacta nessa equação ? Evidentemente! E de que maneira! Toda a paisagem da Europa, p.e., é uma artificialização de indução humana. Isso tem impactos micro-climáticos bem documentados e é provável que tenha também algum tipo de impacto macro climático. Qual ao certo é que permanece “a billion dollar question” e que portanto não há necessidade de mudar nada, e que o acordo de Paris é uma treta
- que responde ao presidente desse país?

Manuel Rocha disse...

Diria que o gajo é um inaceitável demagogo porque promove um raciocínio falacioso, saltando directamente para as conclusões que melhor servem a sua agenda.
:)
A falácia está no seguinte: não é pelo facto de o funcionamento da natureza ser conflitual e não pré-determinado, que a humanidade estaria impedida de a tentar submeter aos propósitos de previsibilidade e ordem que caracterizam a história das civilizações ( i.é: de inventar e produzir a realidade que se considere desejável em nome duma qualquer ideia de futuro)

Mas, dito isto, atenção, pois nesta opera bufa que por aí vai o dito presidente não tem o exclusivo da demagogia. Os que assinaram o acordo pretendendo convencer a malta que se não sei quê se evita o aumento da temperatura da terra em não sei quanto daqui a não sei quando, não ficam melhor na fotografia. Pela simples razão de que comunicam uma correlação verificada ( variação temp vs CO2 ) como se fosse uma causalidade demonstrada fora dos laboratórios ( e não é! ), ao mesmo tempo que sugerem ( erradamente )que o futuro é uma mera projecção do passado ( quando se sabe que os algortimos previsionais não conseguem ponderar o que se desconhece....).

No limite, um e outros cultivam a desinformação em redor da noção de complexidade ( e em particular da aleatoriedade no sentido quântico ) que são fundamentais para a compreensão do mundo. Ora o que eu temo é que a eventual derrocada do castelo de cartas ( hipoteses cientificas ) em que se tem apoiado a narrativa dominante do AGW, arraste consigo e com estrondo a credibilidade de toda uma instituição. Depois da queda dos deuses e da queda dos politicos, a queda da ciência deixaria a sociedade orfã de referências confiáveis. Ora eu não imagino como se exerce a governança quando não há referências confiáveis.









:)




Helena Araújo disse...

Ora, não se preocupe: no dia em que a ciência deixar de ser uma referência, abre uma vaga para a metafísica. O mundo não há-de parar por causa disso... ;)
(vou já tirar um curso de santinha da Ladeira, parece que é o futuro)

Brincadeiras à parte: entendo a sua questão - e muito melhor que no início desta conversa. Obrigada pela sua paciência!

Mas - o maldito "mas" - no caso em questão tem de haver uma maneira de a ciência ser útil na tomada de decisões políticas, sem se desvirtuar. Como é que os políticos podem impor alterações contra os interesses das empresas, e extremamente arriscadas em termos de conflitos sociais, se não tiverem um apoio muito forte do lado da ciência?
Podemos concordar em afirmações do género: "há fortes motivos para acreditar que"?

Manuel Rocha disse...

«Podemos concordar em afirmações do género: "há fortes motivos para acreditar que"?»
:)
Se a Helena me tivesse colocado essa questão há 40 anos eu responderia que sim sem pestanejar. Na altura tinha fortes motivos para acreditar em imensa coisa: no advento de uma sociedade mais justa e equitativa, na fidelidade da minha namorada, que a felicidade era um estado da matéria, que a “ciência” era um oásis de perfeição no meio de um mundo imperfeito , e por aí adiante. Depois os anos foram passando e começaram a mondar-me as certezas ( entre outras coisas....) . Saltando por cima desse processo, cheguei ao ponto em que só me sobram fortes motivos para acreditar que não posso acreditar em grande coisa! :)
Brincadeiras à parte e não fugindo à sua questão.
Penso que há fortes motivos para acreditar que a impermanência é uma variável-constante nas equações da existência. Embora os “cisnes negros” existam, nada aponta no sentido de que os continentes vão deixar de derivar, que as espécies deixarão de se comer umas às outras, ou que o mar deixará de enviar ondas a terra. A ciência pode e deve conjecturar sobre a velocidade dessa deriva ou a frequência dessas ondas, e fazer chegar à politica a melhor informação disponível sobre o estado do conhecimento dessas dinâmicas.O que não me parece que possa ( deva ) é arvorar-se em dona da verdade revelada ( qual nova religião )e pretender substituir-se à politica nas escolhas que competem a esta.
« Mas ... Como é que os políticos podem impor alterações contra os interesses das empresas, e extremamente arriscadas em termos de conflitos sociais, se não tiverem um apoio muito forte do lado da ciência? »
Como a história recente bem ilustra ( 3R’s, austeridade, “Big- brother”securitário...) os politicos conseguem impor qualquer coisa, desde que contem com a conivência dos média e controlem a “arma” da educação para fazer passar a “percepção” necessária.A primeira vez que ouvi Al Gore falar de “novas oportunidades”, não consegui deixar de sorrir, pois recordei imediatamente a primeira vez que li Ivan Illich ( inicio anos 70 ) e ele profetizava que da mesma forma que o capitalismo tinha ganho dinheiro a industrializar a poluição , também iria ganhar dinheiro a industrializar e despoluição. Dito e feito ! Bastou criar a percepção certa. Chegamos ao ponto em que a opinião pública até acha normal que tenha sido o Estado a financiar as obras de consolidão que pretendem proteger da derrocada as casas construidas sobre as falésias de Vale de Lobo, graças a este raciocinio “elementar” que na altura foi profusamente disseminado pelos média : «se a queda das falésias é uma consequência do avanço do mar e este deriva das AC’s, se estas são culpa da “humanidade”, então não é justo que sejam os privados a suportar os custos duma responsabilidade que é de todos...» De algum modo é a mesma coisa que Trump está a fazer quando canaliza para Texas / Florida os fundos de emergência nacional dos USA. Ouviu alguém questionar isso ?

Concluindo : « há fortes motivos para acreditar que »lhe estou a monopolizar ( e a asfixiar )a caixa de comentários, pelo que se preferir continuar este debate noutro palco, disponha ( quintadacorte@gmail.com ) :)