18 maio 2017

viagem a um país que já não existe (6)

Nos cemitérios daquela região as campas são cuidadas como canteiros. Visitámos três.
Deixo dois exemplos das suas campas-canteiro:



E mais campas-canteiro no segundo cemitério:





À entrada deste deparámos com uma fila de campas dos soldados da aldeia que morreram na primeira guerra mundial, e um memorial com o nome dos 25 soldados vítimas da segunda guerra.




Por uns momentos pensei no horror que terão sido os anos da guerra naquela aldeia: como terão conseguido suportar a morte de vinte e cinco homens jovens numa aldeia de cento e oitenta pessoas? E logo me lembrei do que aconteceu na aldeia da avó de uma amiga minha, russa: todos os homens saíram para a guerra, eram quatrocentos, voltaram dois. E um nem era de lá. Simplesmente, ao descobrir que toda a sua família estava morta, decidiu ir com outro soldado sobrevivente para a terra dele.

Que dizer daqueles que, perante uma Europa cada vez mais perdida de si própria e dividida em nacionalismos e extremismos, encolhem os ombros e dizem que mais vale deixar rebentar tudo para começar de novo? Cinismo, ignorância, irresponsabilidade. Somos povos mimados pela História, já nem sabemos - nem queremos saber - que a guerra é isto: partiram todos os quatrocentos, regressaram dois.

Fomos ao terceiro cemitério porque a nossa amiga queria regar a campa da mãe. Passámos junto ao cemitério velho, ao lado da igreja. Agora é um parque infantil, comentou ela com uma careta: "que coisa sórdida, fazerem um parque infantil por cima dos mortos da aldeia". Não lhe perguntei porque é que o tinham mudado de lugar, se afinal o novo não era maior que o antigo. Mas admito que tenha sido manobra ideológica, para separar a Igreja do culto da memória dos que morreram.  

No cemitério novo havia duas velhinhas sentadas num banco, a conversar pacatamente à sombra de uma árvore frondosa. A filha de uma delas morreu muito nova, de cancro. O nosso amigo comentou depois que se sentia aliviado por a mulher já não morar naquela aldeia. Havia demasiados casos de cancro em pessoas jovens, e ninguém sabia porquê.

O silêncio. Quase trinta anos depois, ainda se cala muito do que aconteceu nesse país que já não existe.
 
  



1 comentário:

Lucy disse...

Fantásticas, belas, terríveis... reportagens