11 maio 2017

Salvador

Esqueçam a Coca-Cola. Quando Fernando Pessoa escreveu "primeiro estranha-se, depois entranha-se" estava a pensar no Salvador Sobral e na sua maneira de interpretar a canção "amar pelos dois". Enfim, nas suas maneiras, porque ele reinventa a canção de cada vez que a canta. É sempre diferente, e é sempre ele.

Desde que uma amiga me avisou, em alvoroço, que estava a acontecer algo muito especial no Festival da Canção, fui conquistada pela sua inteira genuinidade, pelo à-vontade com que está dentro da própria pele, pela extrema sensibilidade musical e pelo humor.
Sim: por esta ordem. Reparei na qualidade da pessoa antes do génio musical. E parece-me que ele traduz o que há de melhor na geração dos meus filhos.


Como não podia deixar de ser, o mob do maldizer entrou em acção. Um dia hei-de entender o prazer de tentar morder nas canelas de quem se eleva um pouco mais. Entretanto, partilho um texto do mural da Madalena Vidal, no facebook, sobre o fenómeno "nós e o (nosso) Salvador": 




Parece um atrasadinho com cólicas menstruais. Sacode-se, faz gestos esquisitos com as mãos e com o corpo, encarquilha os dedos e 'amanda-se' para trás a um acorde como um puto que viu sair o Hulk do alçapão da cave. Apresenta-se ao respeitável público com trapos de sem-abrigo e com ar de quem cheira como um. Que ofensa! Tudo nele é "pingão", como diria a minha mãe (que, a meio da música, inclinaria a cabeça e diria 'hum, afinal...'). Na minha terra diriam que parece o Anhuca, que é como descrevem pessoas assim - pingonas, lá está. Faz boquinhas que não lembram ao emplastro. Parece que enfiou na boca uma colherada de sopa a ferver porque estava distraído a ver televisão. Parece que vai vomitar. Não é nada sexy. Solta "LINDÔOOO!" no meio de uma música que está a ser transmitida ao vivo.
Claro que depois há a absoluta unicidade (isto diz-se?) dele, da irmã, dos dois juntos. A desdita de terem nascido num país tão pequenino. E a incapacidade de reconhecermos o génio quando o vemos, o que é tão triste...
Ah, e é um beto. Bolas, o tipo é benzoca. Isso é que nunca! Tinha-me esquecido desse grande problema. Já se sabe que nenhum beto pode ser bom, o talento foi o pai banqueiro que lhe deixou em herança, não foi nada que ele suasse para ter. Adiante.
Se se consegue passar por cima de tudo isto e ouvir o miúdo, e perceber que ele não se move neste mundo de carneiradas (apesar de fazer parte de uma), vê-se que o verdadeiro milagre já aconteceu. O verdadeiro milagre não é o Salvador ganhar, é ver o Portugal das Romanas e dos Toys apaixonado por um músico MAGISTRAL. Já não era sem tempo.
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Se o teu coração não quiser ceder
Não sentir paixão, não quiser sofrer
Sem fazer planos do que virá depois
O meu coração pode amar pelos dois.
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PS - Escolhi a última versão porque calhou. Não há duas iguais.

1 comentário:

CCF disse...

Diz bem, é um outro país e é tão bom saber que existe. E, no seu caso, pode votar!
~CC~