08 março 2017

o muro da UE

                                       
                      
(Nos primeiros 4 minutos deste Tagesschau de 7.3.17. E a partir de 6:34 também tem uma notícia sobre o encontro dos bispos católicos, nos quais se afirma claramente que a xenofobia - nomeadamente contra os refugiados - é incompatível com o cristianismo, e onde se fala da necessidade de combater as desigualdades como a melhor maneira de tirar força ao populismo)                  


Ontem vi imagens do muro que protege a fronteira da UE na Hungria.

Pensei: a Europa bem podia ir ensinar ao Trump como é que se faz um muro.
E vi imagens dos campos de concentração (penso que não estou a a exagerar) onde vão prender os refugiados que estão à espera de decisão sobre o pedido de asilo. Quer dizer, não estão inteiramente presos: a saída para a Sérvia está sempre aberta...

Na nossa Europa!
Que vergonha. Que desumanidade.

Falei disto no facebook, e responderam-me que o problema era complexo, que há "falsos refugiados", que essas pessoas deviam ficar na orla da Europa até se resolver se podem entrar ou não, e que é preciso respeitar as regras.

O problema torna-se muito menos complexo se nos dermos conta de que estamos a falar de pessoas. Podia ser a minha família. Aliás: não conheço uma única geração na minha família onde não haja casos de refugiados (das guerras liberais), emigrantes (Argentina, Brasil, EUA, França, Andorra, Alemanha, Reino Unido, Angola) ou "retornados". Não tenho autoridade moral para criticar quem quer aceder às mesmas oportunidades que têm sido concedidas à minha família há várias gerações.

O que é um "falso refugiado"? Uma pessoa que busca outro país para não morrer de fome no seu é um falso refugiado? E que português pode usar esse argumento contra os outros, quando durante tantas décadas o modelo económico nacional se aguentou à custa das divisas enviadas pelos emigrantes?

Portanto, a primeira questão é: estou mesmo a tratar os outros como me têm tratado a mim?

A segunda questão é a das possibilidades da UE. É mesmo impossível para a União Europeia, uma das regiões mais ricas do mundo, com mais de 500 milhões de habitantes, acolher 5 ou 10 milhões de pessoas, 1% ou 2% do total da população? A propósito, lembro de novo algo que me faz sentir imenso respeito pelos sírios: na altura do genocídio dos arménios, Aleppo - uma cidade inteiramente muçulmana - acolheu os cristãos perseguidos. Em poucos meses os cristãos passaram a ser 12% - e uns anos mais tarde 25% - do total da população de Aleppo. E aí viveram em boa paz durante 100 anos, até à destruição em 2015. Se os muçulmanos conseguiram acolher todos esses refugiados de religião, língua e cultura diferente, porque é que o ocidente que se diz cristão não há-de conseguir?

Quanto às regras: apelar ao cumprimento das regras quando o mundo se está a desmoronar ao nosso lado é matéria de anedotas. Por exemplo, a da mulher que acorda o marido a meio da noite, a gritar que a casa está a arder, e ele resmunga "e eu sou bombeiro?!"

Para além do anedótico, o que é realmente grave é que as regras estão a ser reescritas com cinismo, para aplacar as tensões populistas. Declarar pura e simplesmente que os países do Norte da África são seguros, para poder recambiar os delinquentes de Colónia e todos os outros desgraçados cuja única culpa é ter a mesma nacionalidade, é um acto do governo alemão que nos envergonha. Reenviar para o Afeganistão pessoas que já estavam bem integradas na Alemanha, alegando que "nem todas as regiões do Afeganistão são perigosas" é um acto de desumanidade. Reenviar para a Turquia os refugiados que já chegaram à Europa é outra vergonha. E se querem mesmo acabar com o negócio do transporte de refugiados, melhor solução seria ir buscá-los em barcos seguros e gastar o dinheiro que se dá à Turquia em campos europeus de acolhimento. No entanto, e infelizmente, ainda ontem o Tribunal de Justiça Europeu decidiu que as pessoas não podem pedir um visto humanitário no próprio país em que vivem para serem autorizadas a viajar legalmente para a Europa e pedir aqui asilo, pelo que têm mesmo de entrar naqueles barcos horrorosos para tentarem chegar à Europa.

Nós podemos fazer melhor. Se quisermos, podemos fazer muito melhor. Mas para isso é preciso fazer um exame de consciência: queremos realmente praticar os valores em que dizemos acreditar, e que pensamos ser o que nos torna especiais e diferentes no panorama mundial?
E estamos a tratar os outros como queremos que nos tratem a nós?


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