08 janeiro 2017

não morreu



Os jornais dizem que Mário Soares morreu ontem, mas tenho alguma dificuldade em acreditar, porque não o estão a ripar no facebook.

Pelo contrário: parece mais vivo que nunca, com imensa gente a discutir o que é que ele representa para o país. Não morreu, portanto, porque morrer é outra coisa. E se do lado de lá houver uma janelinha para este mundo, até o imagino a observar, divertido, o escarcéu que para aqui vai.




Gostei de ouvir o Mário Soares falar sobre a morte, numa entrevista do António Marujo publicada no Religionline:
Quando pensa na morte, qual é o seu sentimento mais profundo?
O mistério da morte – como o da vida – fascina-me e perturba-me. Nos últimos anos, como é natural, são mistérios que se insinuam com mais frequência nas minhas reflexões. Quanto à vida eterna, infelizmente, não acredito nela. Como já lhe disse. Sou demasiado racionalista para acreditar. Cada um de nós, depois da morte, julgo eu, vive apenas na memória dos que ficam. Já não é nada mau que assim seja, sobretudo quando essa memória perdura, com um rasto afectivo, estimulante e emotivo. Mas haverá coisa mais efémera do que a memória?
Quanto à morte? Eis uma certeza que todos temos – talvez a única indubitável – e de que não devemos fazer abstracção, sobretudo nos momentos mais eufóricos ou solares. Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris... [Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás-de tornar.] É triste, mas é assim. Não será essa uma das condições da grandeza humana? De continuar a trabalhar, esforçadamente, pelo bem, pelo belo, pelos outros, pelos grandes ideais éticos, apesar de saber que assim é, incontroversamente?


No facebook, gostei do que a Marisa Matias publicou:

Mário Soares

Uma Aula Magna cheia para juntar as esquerdas em defesa da Constituição foi como escolheu despedir-se da política activa. Cheia de gente diferente em trajectórias e idades, mas unida na mesma causa. Gosto desta imagem a culminar uma vida cheia, controversa e marcante.
Os que vivemos a democracia toda com ele às vezes gostámos, às vezes nem por isso.
Um antifascista convicto e activo, um construtor de liberdades. Às vezes concordámos, às vezes nem por isso.
Um homem que nos desafiou e que nos fez mais exigentes com a democracia e com a vida.
Descanse em paz, Mário Soares.
Fez a sua parte. Cabe-nos fazer a nossa. Às vezes vão gostar, às vezes não
.



A Bárbara Baldaia mostra na TSF a voz dele a fazer a nossa História.  E no mural da Irene Pimentel encontrei a referência àquele a que chamou o debate da viragem:




Também vi algum ódio, geralmente dito com primarismo. Pessoas que usam a liberdade para exibir a falta de humanidade que as habita. Enfim...

Para terminar, o poema da Sophia que encontrei no mural de uma amiga, a Isabel Pires (a quem roubei também a imagem):



SINTO OS MORTOS

Sinto os mortos no frio das violetas
e nesse grande vago que há na lua.

A terra fatalmente é um fantasma,
ela que toda a morte em si embala.

Sei que canto à beira de um silêncio,
sei que bailo em redor da suspensão,
e possuo em redor da impossessão.

Sei que passo em redor dos mortos mudos
e sei que trago em mim a minha morte.

Mas perdi o meu ser em tantos seres,
tantas vezes morri a minha vida,
tantas vezes beijei os meus fantasmas,
tantas vezes não soube dos meus actos,
que a morte será simples como ir
do interior da casa para a rua.

SOPHIA DE MELLO BREYNER in Obra Poética I, ed. Caminho
imagem: “Janelas abertas simultaneamente”, 1912, Robert Delaunay
 




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