10 outubro 2016

cá se fazem, cá se pagam

Vocês desculpem a palermice que vou dizer, mas o que tem de ser tem muita força: os nossos muçulmanos são melhores que os vossos!

Conta-se depressa: a polícia alemã suspeitava de um sírio, foi à casa dele, o gajo conseguiu fugir; a polícia encontrou na sua casa um explosivo extremamente potente. Entretanto o fugitivo pediu a um compatriota seu se o deixava ficar na sua casa, o outro deixou, mas quando viu que a polícia andava à procura do seu hóspede dirigiu-se à esquadra mais próxima. O bombista foi apanhado. Sem militares nas ruas, sem fechar o metro, sem pôr nenhum bairro a ferro e fogo.

Depois desenvolvo, mas por agora queria dizer que se confirma: cá se fazem, cá se pagam. O modo como grande parte da sociedade alemã aderiu ao gesto de solidariedade da Angela Merkel resulta numa coisa tão simples como isso: muçulmanos que se vêem reconhecidos como pessoas de bem, e se portam como o que são - pessoas de bem.

Obrigada, ó Merkel. Obrigada, ó justos do povo alemão.



5 comentários:

mar disse...

Não questionando a abertura da sociedade alemã à recepção dos refugiados, nem tão pouco a coragem política de Merkel para abrir as portas aos refugiados (que admiro), ao ler o post da Helena ocorreram-me duas coisas:

1) A Alemanha foi, até agora, o único país europeu onde ataques de alguma forma associados ao ISIS foram perpetrados ou tentados por refugiados. Se quisessemos entrar no jogo de 'os meus são melhores do que os teus', não sei se isso não significaria que a Alemanha ficou com os piores refugiados - e por 'piores refugiados', estou a pensar unicamente nos indivíduos que têm ligações ao ISIS e não num colectivo de refugiados sírios na Alemanha, onde haverá certamente pessoas boas, pessoas más e pessoas assim-assim, como em todo o lado.

Não sabemos como refugiados em França ou no Reino Unido, onde não são recebidos tão generosamente como na Alemanha, reagiriam se descobrissem que o compatriota que tinham recebido em sua casa era, afinal, procurado pela polícia por ligações ao ISIS.
Os três rapazes sírios foram muito corajosos por terem manietado o fugitivo e ir buscar a polícia mas será que só fizeram isso porque estão agradecidos pela forma como estão a ser recebidos na Alemanha? Obviamente, não posso responder com rigor mas acredito que os refugiados, tirando as tais "maçãs podres" que parecem ter calhado à Alemanha, são pessoas de bem, pessoas como eu e, por isso, custa-me a crer que não condenem actos terroristas e não queiram fazer tudo o que possam para os impedir. Custa-me a crer que, tendo eles sido obrigados a deixar as suas casas e a fugir do seu país em guerra, que está a ser completamente arrasado não só pelas tropas do Asad e por rebeldes mas também pelo ISIS, não denunciassem um jihadista do ISIS às autoridades, mesmo se não se sentissem bem-vindos na sociedade de acolhimento, e deixassem que o terror de que tentam fugir se instalasse onde encontraram refúgio.

2) Quando terminei de ler o agradecimento da Helena a Merkel e aos justos do povo alemão, fiquei a pensar que faltava um agradecimento aos refugiados sírios que ajudaram as autoridades. Eu acho que entraria em pânico; se não entrasse, provalmente teria demasiado medo para imobilizar o terrorista (não fosse ele fazer-se explodir no meio da minha sala) e se tivesse a lucidez de fingir que ia à mercearia para chamar as autoridades, talvez ele já tivesse fugido quando estas chegassem.

Jaime Santos disse...

Dos anos que vivi na Alemanha, pareceu-me que a relação dos alemães com os seus muçulmanos (de origem turca, na sua grande maioria, julgo eu) era melhor do que aquilo que se vivia em França (na Alemanha não há nenhuma FN). A mobilidade social destes imigrantes e dos seus filhos era baixa e a escolaridade destes últimos parecia ser deficiente (o sistema alemão de duas vias na escola secundária não ajuda), mas claramente a situação económica parecia ser melhor. Depois, nos últimos anos, tem havido uma tentativa de integrar os imigrantes na sociedade alemã, que começou já no Governo Schroeder com a lei da dupla nacionalidade, que falhou graças à ação de um político horrível do Hessen, cujo nome já me esqueci, prolongando-se no discurso de Wulff em que disse que o Islão era parte da Alemanha. É ver aliás a diferença entre a seleção alemã hoje e em 98... Isto de se receber uma educação declaradamente anti-fascista ajuda: https://www.theguardian.com/culture/2016/oct/07/britains-view-of-its-history-dangerous-says-former-museum-director

Helena Araújo disse...

Mar,
parece-me que não percebeu o texto. Fiz um post de meia dúzia de parágrafos onde não cabe uma análise exaustiva desta problemática. Aliás, avisei logo que depois explicava melhor.

O meu post é sobre muçulmanos e não sobre refugiados. Ainda não li em lado nenhum quem são esses sírios que ajudaram a capturar o fugitivo. Não sei se são refugiados ou imigrantes a morar há vários anos na Alemanha. Para os proteger de eventuais retaliações do IS, a polícia não está a dar informações sobre eles.
Quando escrevi "os nossos muçulmanos são melhores que os vossos" estava a comparar o modo como estes reagiram quando souberam que tinham em casa uma pessoa procurada pela polícia, e o modo como na França e na Bélgica o trabalho da polícia foi bem mais difícil e moroso quando tentaram capturar os responsáveis pelos ataques de 13 de Novembro em Paris. O Salah Abdeslam andou 126 dias fugido à polícia, até ser finalmente encontrado em Molenbeeck, numa casa perto da casa dos pais dele. Por todo o lado havia fotografias dele, mas a família que o escondeu disse que não sabia de nada.
No Bataclan havia dois iraquianos que vieram num grupo de refugiados. Não tenho tempo para ir verificar todos os atentados fora da Alemanha, mas estes dois já bastam para rebater a sua afirmação em 1).
Finalmente, quanto à falta de agradecimento aos que ajudaram a polícia: se ler outra vez o texto, vai ver que todo ele é um elogio à acção dessas pessoas, e que os agradecimentos finais não são bem um agradecimento ao que aconteceu este fim-de-semana, mas um fecho lógico daquele encadeamento de ideias.

mar disse...

De facto, se tivesse lido com mais atenção, teria reparado que o seu post é sobre muçulmanos e não refugiados. De facto, no meu ponto 1, eu referia-se a refugiados e não foram refugiados que esconderam Salah Abdeslam das autoridades durante mais de 100 dias. Não havia iraquianos - nem refugiados, nem imigrantes ou filhos de imigrantes do Iraque - nos atentados do Bataclan: os três homens eram de nacionalidade francesa: http://www.bbc.com/news/world-europe-34832512

Peço desculpa por ter lido mal o texto. Acho que li mal porque tinha lido antes sobre quem o denunciou e, por isso, estava a pensar em refugiados.
Talvez também tenha lido mal porque o texto tem enfoque na solidariedade e bom acolhimento dos muçulmanos pela sociedade alemã, levando-me a pensar no acolhimento que está a ser feito aos refugiados. Não estou a dizer que o mesmo acolhimento não está a ser dado a outras comunidades muçulmanas mas, a avaliar pela amostra de um pequeno estudo sobre integração e religião da comunidade turca, há muçulmanos na Alemanha que sentem que não são reconhecidos como pessoas de bem pela sociedade de acolhimento (https://www.uni-muenster.de/imperia/md/content/religion_und_politik/aktuelles/2016/06_2016/studie_integration_und_religion_aus_sicht_t__rkeist__mmiger.pdf): mais de metade dos inquiridos achava que, independentemente do que fizesse, nunca seria aceite. A amostra é limitada mas os relatórios do Sachverständigenrat für Integration und Migration com o seu barómetro da integração continuam, ano após ano, a indicar esse mesmo sentimento: independentemente do esforço estatal louvável para introduzir políticas de "Religionsfreundlichkeit" que tem sido feito, os inquiridos que pertencem à comunidade turca continuam a sentir-se excluídos da sociedade alemã.

Helena Araújo disse...

Mar,
sobre os terroristas de Paris: tem informações de que os dois terroristas do estádio afinal não eram iraquianos que entraram em Leros como refugiados no dia 3 de Outubro com um passaporte falso sírio?
E agora sou eu que estou a ler mal, parece-me: onde é que nesse estudo está dito que há muçulmanos na Alemanha que sentem que não são reconhecidos como pessoas de bem? Eu só vi que muitos deles não se sentem reconhecidos como parte da sociedade alemã (o que é diferente de "pessoa de bem") e se sentem cidadãos de segunda. Contudo, também reparei que uma esmagadora maioria se sente bem a viver na Alemanha. E, já agora, que o grau de fundamentalismo religioso vai baixando de geração para geração - ao contrário do que acontece em França, onde os mais novos estão a ficar mais radicais que os mais velhos.